quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (24). por volta de 1920 dois livros estranhos e admiráveis: Les Demeures Philosophales e Le Mystère des Cathédrales.


Eugène Canseliet respondeu-nos então: Acima de tudo seria necessário que não se tomasse isto por um gracejo. Tendes toda a razão, e eu estou em boa posição para afirmar que é possível atingir a desintegração atômica partindo de um mineral relativamente comum e barato, e isto por um processo de operações que apenas exige uma boa chaminé, um forno de fusão de carvão, alguns tubos de combustão Meker e quatro garrafas de gás butano.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Mesmo na física nuclear, não está excluído que se possam obter resultados importantes por meio de processos simples. É o futuro de toda a ciência e de toda a técnica.
Podemos mais do que aquilo que sabemos, dizia Roger Bacon. Mas acrescentava esta frase que poderia ser um adágio alquímico: Embora nem tudo seja permitido, tudo é possível.
Para o alquimista, é preciso recordá-lo constantemente, poder sobre a matéria e a energia não passa de uma realidade acessória. O verdadeiro objetivo das operações alquímicas, que talvez sejam o resíduo de uma ciência muito antiga pertencente a uma civilização desaparecida, é a transformação do próprio alquimista, o seu acesso a um estado de consciência superior.
Os resultados materiais são apenas as promessas do resultado final, que é espiritual. Tudo se dirige para a transmutação do próprio homem, para a sua divinização, a sua fusão com a energia divina fixa, da qual irradiam todas as energias da matéria. A alquimia é a ciência com consciência de que Rabelais fala. É uma ciência que humaniza, para repetir uma expressão do Pe. Teilhard de Chardin, que dizia: A verdadeira física é a que conseguir integrar o Homem total numa representação coerente do mundo.
Sabei, dizia um mestre alquimista, sabei vós todos, os Investigadores dessa Arte, que o Espírito é tudo, e que se nesse Espírito não está encerrado outro Espírito semelhante, esse todo para nada serve.
Onde se vê um pequeno Judeu preferir o mel ao açúcar. - Onde um alquimista, que poderia ser o misterioso Fulcanelli, fala do perigo atômico em 1937, descreve a pilha atômica e evoca as civilizações desaparecidas. Onde Bergier corta um cofre-forte com um maçarico e anda com uma garrafa de urânio debaixo do braço. Onde um major americano anônimo procura um Fulcanelli definitivamente oculto.
- Onde Oppenheimer canta um dueto com um sábio chinês de há mil anos atrás.
Era em 1933. O pequeno estudante judeu tinha um nariz pontiagudo, encimado por uns óculos de lentes redondas atrás das quais brilhava um olhar rápido e frio. Sobre o crânio redondo começava a despontar uma cabeleira semelhante a uma penugem de pintainho. Um sotaque pavoroso, agravado por gaguejos, dava às suas frases o tom cômico e a baralhada do grasnar de patos num charco.
Depois de o conhecerem um pouco melhor, dava a impressão de que bailava dentro desse homenzinho desgracioso uma inteligência bulímica, atenta, sensível, extraordinariamente rápida, de que estava cheio de malícia e de uma pueril incapacidade para viver, como um enorme balão vermelho preso por um fio ao pulso de uma criança.
Pretende então tornar-se alquimista?, perguntou o venerando professor ao estudante Jacques Bergier, que mantinha a cabeça baixa, sentado na beira de um caldeirão, com uma pasta cheia de papelada sobre os joelhos. O venerando era um dos maiores químicos franceses.
Não o compreendo, senhor, disse o estudante, vexado. Tinha uma memória prodigiosa, e recordou-se de ter visto, aos seis anos, uma gravura alemã que representava dois alquimistas a trabalhar, no meio de uma confusão de retortas, de pinças, de crisóis, de foles.
Um deles, esfarrapado, vigiava uma fogueira, de boca aberta, e outro, desgrenhado, coçava a cabeça titubeando no meio de toda aquela desordem.
O professor consultou uns documentos:
Durante os seus dois últimos anos de trabalho interessou-se sobretudo pelo curso livre de física nuclear de Jean Thibaud. Esse curso não conduz a qualquer diploma nem certificado. Exprime o desejo de prosseguir nesse sentido ainda me seria possível compreender essa curiosidade da parte de um físico. Mas o senhor está destinado à química. Tencionará, por acaso. aprender a fabricar ouro?
- Senhor - disse o estudante judeu erguendo as pequenas mãos gordas e mal tratadas¬, eu acredito no futuro da química nuclear. Penso que, num futuro próximo, serão realizadas transmutações industriais.
- Isso parece-me delirante.
-Mas, senhor. . .
Por vezes detinha-se no início de uma frase e começava a repetir esse início, como um gramofone avariado, não por falta de atenção, mas porque o seu espírito divagava de forma inconfessável pelo reino da poesia. Sabia de cor milhares de versos e todos os poemas de Kipling:
Copiaram tudo o que podiam entender; Mas não podiam alcançar o meu pensamento; Por isso deixarei-os para trás, sem fôlego, E pensando com ano e meio de atraso. . .
- Mas, mesmo se V. Ex.a não acredita nas transmutações, deveria acreditar na energia nuclear. Os imensos recursos potenciais do núcleo. . .
-Ta ta ta - exclamou o professor. - Isso é primário e infantil. Aquilo a que os físicos chamam energia nuclear é uma constante de integração nas suas equações. A consciência é o principal motor dos homens. Mas não é a consciência que faz andar as locomotivas, não é verdade? Por isso, sonha-se com uma máquina acionada pela energia nuclear... Não, meu rapaz.
O rapaz engolia a saliva.
- Desça à Terra e pense no seu futuro. O que o incita, de momento, pois não o julgo saído da infância, é um dos mais velhos sonhos do homem: o sonho alquímico. Leia novamente Berthelot. Ele descreve muito bem essa quimera da transmutação da matéria. As suas notas não são lá muito, muito brilhantes. Dou-lhe um conselho: entre o mais depressa possível para a indústria. Faça um estágio numa refinaria de açúcar. Três meses numa fábrica pô-lo-ão de novo em contacto com a realidade. Precisa disso. Falo-lhe como um pai.
O filho indigno agradeceu gaguejando, e saiu de nariz no ar, a enorme pasta debaixo do braço curto. Era um obstinado: pensou que era necessário tirar partido daquela conversa, mas que o mel era melhor do que o açúcar. Continuaria a estudar os problemas do núcleo atômico. E documentar-se-ia a respeito de alquimia.
Foi assim que o meu amigo Jacques Bergier decidiu prosseguir uns estudos considerados inúteis e completá-los com outros estudos considerados delirantes. As necessidades da vida, a guerra e os campos de concentração afastaram-no um pouco do estudo nuclear. No entanto, enriqueceu-o com algumas contribuições apreciadas pelos especialistas. Durante as suas investigações, os sonhos dos alquimistas e as realidades da física matemática misturaram-se mais de uma vez. Mas no domínio científico operaram-se grandes alterações a partir de 1933, e o meu amigo teve cada vez menos a sensação de navegar contra a corrente.
De 1934 a 1940, Jacques Bergier foi o colaborador de André Helbronner, um dos homens notáveis da nossa época. Helbronner, que foi assassinado pelos nazistas em Buchenwald, em Março 1944, fora, em França, o primeiro professor universitário a ensinar a químico-física. Essa ciência, que é uma fronteira entre duas disciplinas, deu origem, mais tarde, a muitas outras ciências: a eletrônica, a nucleônica, a estereotrônica. (A estereotrônica é uma ciência muito recente que estuda a transformação da energia nos sólidos. Uma das suas aplicações é o transistor.)
Helbronner viria depois a receber a grande medalha de ouro do Instituto Franklin pelas suas descobertas sobre os metais coloidais. Interessou-se igualmente pela liquefação dos gases, pela aeronáutica e pelos raios ultravioletas.
Em 1934 consagrou-se à física nuclear e montou, com o auxílio de grupos industriais, um laboratório de pesquisas nucleares, no qual, até ao ano de 1940, se obtiveram resultados de interesse considerável. Além disso, Helbronner era árbitro dos tribunais em todas as questões relacionadas com a transmutação dos elementos, e por esse motivo é que Jacques Bergier teve ocasião de conhecer um certo número de falsos alquimistas, escroques ou iluminados, e um verdadeiro alquimista, um autêntico mestre.
O meu amigo nunca soube o verdadeiro nome desse alquimista, e mesmo que o soubesse evitaria dar excessivos esclarecimentos.
O homem de quem vamos falar há já muito tempo que desapareceu, sem deixar rastos visíveis. Entrou em clandestinidade e cortou voluntariamente todos os contactos com a sua época. Bergier crê que se tratava simplesmente do homem que, sob o pseudônimo de Fulcanelli, escreveu por volta de 1920 dois livros estranhos e admiráveis: Les Demeures Philosophales e Le Mystère des Cathédrales. Estes livros foram editados sob a vigilância de Eugène Canseliet, que nunca revelou a identidade do autor. Figuram, sem dúvida alguma, entre as obras mais importantes sobre alquimia. Exprimem um conhecimento e uma sabedoria superiores, e conhecemos mais de um espírito notável que venera o nome lendário de Fulcanelli.
Poderia ele, escreve Eugène Canseliet, uma vez atingido o auge do conhecimento recusar obediência às ordens do Destino? Ninguém é profeta na sua terra. talvez este velho adágio dê a razão oculta da alteração que provoca, na vida solitária e estudiosa do filósofo, a chama da revelação. Sob o efeito dessa chama divina, o homem já velho é inteiramente consumido. Nome, família, pátria, todas as ilusões, todos os erros, todas as vaidades caem como pó. E dessas cinzas, como a fênix dos poetas, uma nova personalidade renasce. Pelo menos, a tradição filosófica assim o diz.

Imagem: blogluz-acesa.blogspot.com

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