terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (19). Imagine a anarquia instruída pela civilização e tornada internacional.


Aquilo que diz seria verdade se a nova ciência se tornasse realmente propriedade de todos. Mas acha que é possível? Leio de vez em quando numa ou noutra revista que um sábio eminente fez uma descoberta. Participa-a à Academia das Ciências, aparecem a esse respeito artigos de fundo, e a fotografia do sábio ornamenta os jornais.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

O perigo não vem desse homem. Ele não passa de uma roda da máquina, um aderente ao pacto. É com os homens que se mantêm afastados dele que é preciso contar, os artistas em descobrimentos que só utilizarão a sua ciência na altura em que puderem produzir o máximo de efeito. Acredite-me, os grandes espíritos estão fora daquilo a que se chama civilização. Pareceu hesitar um instante e continuou:
Há-de ouvir várias pessoas dizer que os submarinos já suprimiram o couraçado, e que a conquista do ar aboliu o domínio dos mares. Pelo menos os pessimistas afirmam-no. Mas acha que a ciência disse a sua última palavra apenas com os nossos vulgares submarinos ou os nossos frágeis aviões?.
Não duvido que se venham a aperfeiçoar, disse, mas os processos de defesa hão-de progredir paralelamente. Ele meneou a cabeça.
É pouco provável. Por enquanto a ciência que permite realizar os grandes engenhos de destruição é muito maior do que as possibilidades defensivas. É necessário não ver apenas as invenções de pessoas de segunda categoria, ansiosas por conquistar riqueza e glória. A verdadeira ciência, a ciência temível, ainda continua secreta. Mas, acredite-me, meu caro, ela existe.

Calou-se um momento e vi o contorno tênue do.fumo do seu charuto perfilar-se na escuridão. Depois citou-me vários exemplos, calmamente como se receasse ir longe demais.
Foram esses exemplos que me despertaram. Eram de vária espécie: uma grande catástrofe, uma ruptura súbita entre dois povos, uma doença que destrói uma colheita importante, uma guerra, uma epidemia. Não os enumerarei. De momento não o acreditei, e hoje ainda menos o acredito. Mas eram terrivelmente surpreendentes, expostos nessa voz calma, naquela sala sem luz, numa escura noite de Junho. Se dizia a verdade, aqueles flagelos não eram obra da natureza ou do acaso, mas sim de uma arte. As inteligências anônimas de que ele falava, trabalhando secretamente, revelavam de vez em quando a sua força por meio de qualquer manifestação catastrófica. Recusava-me a acreditá-lo, mas, enquanto ele desenvolvia o seu exemplo, apresentando a evolução do jogo com estranha nitidez, não faz o mínimo protesto.
No final, recuperei a palavra.
- O que me acaba de descrever é a superanarquia. E no entanto não serve para nada.
Qual o móbil a que obedeceriam essas inteligências?
Ele riu-se.
- Como quer que eu o saiba? Sou apenas um modesto investigador, e as minhas investigações proporcionam-me curiosos documentos. Mas não seria capaz de precisar os motivos. Vejo apenas que existem enormes inteligências anti-sociais. Admitamos que elas suspeitam da Máquina. A menos que se trate de idealistas que pretendem criar um mundo novo, ou simplesmente de artistas, desejosos apenas de alcançarem a verdade. Se tivesse de formular uma hipótese, diria que foram necessárias estas duas últimas categorias de indivíduos para provocar resultados, pois os segundos encontram a ciência e os primeiros desejam empregá-la.
Então recordei um fato. Estava nas montanhas do Tirol, num prado cheio de sol. Num prado coberto de flores e ao norte de um curso de água saltitante, almoçava após uma manhã passada a escalar as brancas falésias. Encontrara no caminho um alemão, de pequena estatura e com aspecto de professor, que me deu a honra de partilhar as sandes comigo. Falava rapidamente um inglês incorreto e era um nietzshiano, um impetuoso revoltado contra a ordem estabelecida. A desgraça, exclamou, é que aqueles que sabem são indolentes demais para tentar reformas. Virá o dia em que o saber e a vontade se hão-de unir, e então o mundo progredirá.
-Está a mostrar-nos um quadro pavoroso, disse eu. Mas se essas inteligências anti¬sociais são assim tão poderosas, por que motivo produzem tão pouco? Um vulgar agente da polícia, com a Máquina atrás dele, fica em posição de fazer troça da maior parte das tentativas anarquistas.
- Sem dúvida, respondeu, e a civilização triunfará até que os seus adversários saibam por ela própria qual a verdadeira importância da Máquina. O pacto deve durar até que haja um antipacto. Veja os processos dessa tolice a que atualmente se chama niilismo ou anarquia. Do fundo de uma mansarda parisiense, alguns vagos iletrados lançaram um desafio ao mundo, e ao fim de oito dias ei-los na cadeia. Em Genebra, uma dúzia de intelectuais russos exaltados combinam derrubar os Romanos, e ei-los cercados pela polícia da Europa. Todos os governos e as suas pouco inteligentes forças policiais dão-se mutuamente as mãos e, pronto, acabam-se os conspiradores. Pois a civilização sabe utilizar as energias de que dispõe, ao passo que as infinitas possibilidades dos não-oficiais se desfazem em fumo. A civilização triunfa porque é uma aliança mundial; os seus inimigos fracassam porque não passam de uma panelinha. Mas imagine...
Calou-se novamente e ergueu-se do caldeirão. Aproximou-se de um interruptor e inundou a sala de luz. Ofuscado, levantei o olhar para o meu hóspede e vi-o sorrir-me amavelmente com toda a cortesia de um velho gentleman.
-Gostaria de ouvir o final das suas profecias, declarei. Dizia. . .

- Dizia o seguinte: Imagine a anarquia instruída pela civilização e tornada internacional. Oh, não falo desses bandos de imbecis que se intitulam com grande estrépito a União Internacional dos Trabalhadores, e outras parvoíces no gênero. Quero dizer que a verdadeira substância pensante do Mundo viria então a ser internacionalizada. Suponha que os elos do cordão civilizado sofram a pressão de outros elos constituindo uma cadeia muito mais poderosa. A Terra está repleta de energias incoerentes e de inteligência desorganizada. Já alguma vez pensou no caso da China? Ela encerra
milhares de cérebros pensantes asfixiados por atividades ilusórias. Não têm nem diretrizes, nem energia condutora, tanto assim que o resultado dos seus esforços é igual a zero, e que o mundo inteiro se ri da China. A Europa concede-lhe de tempos a tempos um empréstimo de alguns milhões, e ela, em paga, reclama cinicamente as orações da cristandade. Mas, dizia eu, suponha....
- Isso é uma perspectiva atroz, exclamei, e, graças a Deus, não a creio realizável. Destruir para destruir, forma um ideal demasiado estéril para que possa tentar um novo Napoleão, e sem ele nada podereis fazer.

- Não seria uma destruição completa, replicou ele suavemente. Chamemos iconoclastia a essa abolição das fórmulas que sempre ligaram uma multidão de idealistas. E nãoserá necessário um Napoleão para a realizar. É apenas preciso uma direção, a qual pode vir de homens muito menos dotados do que Napoleão. Numa palavra, bastaria uma Central de Energia para inaugurar a era dos milagres.

Se pensarmos que Buchan escrevia estas linhas por volta de 1910, e se pensarmos na confusão mundial a partir dessa época e nos movimentos que alastram atualmenteatravés da China, da África, das Índias, perguntaremos a nós próprios se não entraram de fato em ação uma ou várias Centrais de Energia. Esta visão só aos observadores superficiais parecerá romanesca, quer dizer, aos historiadores vítimas da vertigem da explicação pelos fatos, a qual não passa, afinal, de uma forma de escolher entre os fatos. Faremos a descrição, noutro capítulo do nosso trabalho, de uma central de energia que se malogrou, mas só depois de mergulhar o mundo no fogo e no sangue: a central fascista. Não é possível duvidar da existência de uma Central de Energia comunista, da sua prodigiosa eficácia. Nada no Universo poderia resistir ao impulso convergente de um número suficientemente grande de inteligências agrupadas e organizadas. Repito esta citação: a sua verdade explode aqui.
Nós fazemos, a respeito das sociedades secretas, uma idéia primária. Vemos de forma banal os fatos estranhos. Para compreender o mundo que surge ser-nos-ia necessário corrigir, refrescar, revigorar a idéia de sociedade secreta por meio de um estudo mais profundo do passado e pela descoberta de um ângulo do qual fosse visível o movimento da história de que fazemos parte.
É possível, até é provável, que a sociedade secreta seja a futura forma de governo no mundo novo do espírito operário.
Observai rapidamente a evolução dos fatos. As monarquias pretendiam ter um poder de origem sobrenatural. O rei, os fidalgos, os ministros, os responsáveis empenham-se em sair da normalidade, em causar espanto com os seus vestuários, as suas residências, as suas maneiras. Tudo fazem para se tornar notados.
Ostentam o maior fausto possível. E estão presentes em todas as ocasiões. Extraordinariamente abordáveis e infinitamente diferentes. Segui sempre, todos vós, o meu penacho branco!
E, por vezes, no Verão, Henrique IV toma banho nu no Sena, em pleno coração de Paris. Luís XIV é um sol, mas qualquer pessoa pode entrar no palácio e assistir às suas refeições. Constantemente expostos a todos os olhares, semideuses carregados de ouro e de plumas, sempre a chamar as atenções, simultaneamente à parte e públicos. Após a Revolução, o poder impregna-se de teorias abstratas e o governo oculta-se.

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