sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (21). Num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria


Cerca da meia-noite interrogo-o sobre Fulcanelli, e dá-me a entender que Fulcanelli não morreu:
- Pode viver-se, diz-me, infinitamente mais tempo do que o homem não esclarecido o supõe. E pode mudar-se totalmente de aspecto. Eu sei-o. Os meus olhos sabem-no. Mas trata-se de outro estado da matéria, diferente daquele que conhecemos.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Esse estado permite, como todos os outros estados, mensurações. Os processos de trabalho e de mensuração são simples e não exigem aparelhos complicados: trabalho de mulher e brincadeira de criança…
Acrescenta:
- Paciência, esperança, trabalho. E, seja qual for o trabalho, nunca se trabalha o bastante.
Esperança: em alquimia, a esperança baseia-se na certeza de que há um objetivo. Não teria começado, disse ele, se não me tivessem provado claramente que esse objetivo existe e que é possível atingi-lo nesta vida.
Tal foi o meu primeiro contacto com a alquimia. Se a tivesse abordado por meio da magia, creio que as minhas investigações não teriam ido longe: falta de tempo, falta de gosto pela erudição literária. Falta de vocação também: essa vocação que se apossa do alquimista, quando ele ainda se ignora como tal, no momento em que abre, pela primeira vez, um velho tratado. A minha vocação não é a de executar, mas a de compreender. Não é realizar, mas ver. Creio, como diz o meu velho amigo André Billy, que compreender é tão belo como cantar, mesmo se a compreensão for apenas fugitiva. Sou um homem apressado, como a maior parte dos meus contemporâneos. Tive o contacto mais moderno possível com a alquimia: uma conversa num botequim de Saint-Germain-des-Prés.
Em seguida, quando pretendia dar um sentido mais completo ao que me dissera aquele jovem, encontrei Jacques Bergier, que não saía coberto de pó de um sótão cheio de velhos livros, mas de locais onde a vida do século se concentrou: laboratórios e escritórios de informações. Também Bergier procurava qualquer coisa no caminho da alquimia. Não era para fazer uma peregrinação ao passado. Esse homem extraordinário, completamente ocupado com os segredos da energia atômica, tomara aquele caminho para abreviar.
Eu voava, agarrado às abas do seu casaco, por entre os textos veneráveis, concebidos por gente sensata apaixonada no seu cárcere de Reading, Óscar Wilde descobre que a falta de atenção do espírito é o crime fundamental, que a atenção extrema desvenda o acordo perfeito entre todos os acontecimentos de uma vida, e também, possivelmente, num plano mais vasto, o acordo perfeito entre todos os elementos e todos os movimentos da Criação, a harmonia de todas as coisas. E exclama: Tudo o que écompreendido está certo. É a mais bela frase que conheço. Pela lentidão, inebriada de paciência - eu voava a uma velocidade supersônica. Bergier gozava da confiança de alguns dos homens que, ainda hoje, se dedicam à alquimia, bem como da estima dos sábios modernos. Junto dele, em breve adquiri a certeza de que existem íntimos pontos de contacto entre a alquimia tradicional e a ciência de vanguarda. Vi a ciência lançar uma ponte entre dois mundos. Meti-me por essa ponte e verifiquei que ela se agüentava.
Senti uma grande felicidade, uma calma profunda. Há muito refugiado no pensamento antiprogressista hinduísta, gurdjáeffiano, vendo o mundo de hoje como um princípio de Apocalipse, não esperando mais (e com grande desespero) do que um horroroso final dos tempos e não muito seguro no orgulho de estar à parte, eis que me era dado ver o velho passado e o futuro darem-se as mãos. A metafísica da alquimia, várias vezes milenária, escondia uma técnica finalmente compreensível, ou quase, no século XX. As pavorosas técnicas de hoje abriam-se sobre uma metafísica quase semelhante à dos tempos antigos. Que falsa poesia havia no meu refúgio! A imortal alma dos homens luzia com a mesma chama de cada lado da ponte.
Acabei por acreditar que os homens, num passado muito longínquo, tinham descoberto os segredos da energia e da matéria. Não apenas por meio de meditação, mas também de manipulação. Não apenas espiritualmente, mas tecnicamente. O espírito moderno, servindo-se de vias diferentes, pelos caminhos durante muito tempo desagradáveis, a meus olhos, da razão pura, da falta de religião, com processos diferentes e que durante muito tempo me tinham parecido maus, preparava-se por sua vez para descobrir os mesmos segredos. Interrogava-se a esse respeito, entusiasmava-se e inquietava-se simultaneamente. Tropeçava no essencial, exatamente como o espírito de elevada tradição.
Vi então que a oposição entre a prudência milenária e a loucura contemporânea era uma invenção da inteligência demasiado fraca e demasiado lenta, um produto de compensação para o intelectual incapaz de tanta velocidade quanta a sua época exige.
Há várias maneiras de aceder ao conhecimento essencial. E o nosso tempo tem algumas. As antigas civilizações tiveram as delas. Não falo apenas de conhecimento teórico.
Vi finalmente que, sendo as técnicas atuais mais poderosas, aparentemente, do que as técnicas de outrora, esse conhecimento essencial, que os alquimistas provavelmente já possuíam (e outros sábios antes deles), chegaria até nós com maior força ainda, maior peso, maiores perigos e maior número de exigências. Atingimos o mesmo ponto que os Antigos, mas a uma altura diferente. Em lugar de condenar o espírito moderno em nome da sensatez iniciática dos Antigos, ou em lugar de negar essa sensatez declarando que o conhecimento real começa com a nossa própria civilização, seria conveniente admirar e venerar o poder do espírito que, sob diferentes aspectos, torna a passar pelo mesmo ponto de luz, elevando-se em espiral. Em vez de condenar, repudiar, escolher, seria conveniente amar. O amor é tudo: a um tempo repouso e movimento.
Vamos submeter à vossa apreciação os resultados das nossas investigações sobre alquimia. Trata-se apenas, evidentemente, de esboços. Ser-nos-iam necessários dez ou vinte anos, e talvez faculdades que não possuímos, para dar ao assunto uma contribuição realmente positiva. No entanto, aquilo que fizemos, e a maneira como o fizemos, torna o nosso trabalho muito diferente das obras até aqui consagradas à alquimia. Encontrareis poucos esclarecimentos sobre a história e a filosofia desta ciência tradicional, mas algumas explicações sobre as inesperadas relações entre os sonhos dos velhos filósofos químicos e as realidades da física atual. É preferível revelarmos imediatamente as idéias que nos guiaram.
A alquimia, segundo a nossa opinião, poderia ser um dos mais importantes resíduos de uma ciência, de uma técnica e de uma filosofia pertencentes a uma civilização
desaparecida. Aquilo que descobrimos na alquimia, à luz do saber contemporâneo, não é de molde a fazer-nos acreditar que uma técnica tão subtil, complicada e precisa possa ter sido o resultado de uma revelação divina caída do céu. Não quer dizer que desprezemos toda a idéia de revelação. Mas, ao estudarmos os santos e os grandes místicos, jamais podemos chegar à conclusão de que Deus fala aos homens em linguagem técnica: Coloca o teu crisol sob a luz polarizada, ó meu Filho! Lava as escórias com água ultradestilada!
Também não acreditamos que a técnica alquimista se possa ter desenvolvido por meio de tentativas, pequenos passatempos de ignorantes, fantasias de maníacos do crisol, até atingir aquilo a que temos de chamar a desintegração atômica. Antes nos sentiríamos dispostos a acreditar que existem na alquimia restos de uma ciência desaparecida, difíceis de compreender e de utilizar, por faltar o contexto. A partir desses restos há inevitavelmente tentativas, mas em direção determinada. Há também uma superabundância de interpretações técnicas, morais e religiosas. E há por fim, para os detentores desses restos, a imperiosa necessidade de guardar segredo.
Somos levados a crer que a nossa civilização, ao atingir uma sabedoria que talvez tenha pertencido a uma civilização anterior, em condições diferentes, noutro estado de espírito, talvez tivesse o maior interesse em interrogar com seriedade a antiguidade para tornar mais rápida a sua própria progressão.
Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu trabalho sobre a matéria assiste, segundo a lenda, a uma espécie de transformação na sua própria pessoa. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a Grande Obra se realiza e em que o alquimista se transforma num homem desperto. Parece-nos que esses velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico.
É para a possessão de tal conhecimento que se precipita a nossa civilização. Não nos parece absurdo supor que os homens serão chamados, num futuro relativamente próximo, a mudar de estado, como o alquimista lendário, a sofrer qualquer transformação. A menos que a nossa civilização desapareça por inteiro um momento antes de ter atingido o fim, como é possível que tenham desaparecido outras civilizações. Também se podia dar o caso de que, no nosso último segundo de lucidez, não desesperássemos, pensando que se a aventura do espírito se repete, é sempre, de cada vez, num grau mais alto da espiral. Remeteríamos a outros milenários o cuidado de conduzir essa aventura até ao ponto final, até ao centro imóvel, e afundar-nos-íamos com esperança.
Cem mil livros que nunca são interrogados. - Pede-se uma expedição cientifica ao país da alquimia. - Os inventores. - O delírio pelo mercúrio. - Uma linguagem cifrada. Terá existido outra civilização atômica? - Os pilares do Museu de Bagdá. ¬Newton e os grandes iniciados. Helvétius e Spinoza perante o ouro filosofal. -Alquimia e física moderna. -Uma bomba de hidrogênio sobre um fogão de cozinha. - Materializar humanizar espiritualizar.

Imagem: espiritodocotidiano.blogspot.com

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