sábado, 22 de janeiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (4). Toda a história humana é templária, a menos que seja hegeliana.


O que é verdadeiro para essas ciências é sem dúvida igualmente verdadeiro para os outros aspectos da existência: a antropologia, por exemplo, ou a história contemporânea, ou a psicologia individual, ou a sociologia.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

O que tem valor nas ciências físicas, é provável que também tem valor nas ciências humanas. Mas existem grandes dificuldades para que disso nos apercebamos. É que, nas ciências humanas, todos os preconceitos se refugiaram, incluindo aqueles que as ciências exatas atualmente desprezaram. E que, num domínio tão perto deles, e tão instável, os investigadores, para verem enfim claro, constantemente tentaram reduzir tudo a um sistema: Freud explica tudo, O Capital explica tudo, etc. Quando dizemos preconceitos, deveríamos dizer: superstições. Há as antigas e há as modernas. Para certas pessoas, nenhum fenômeno de civilização é compreensível se não admitimos, nas origens, a existência da Atlântida. Para outros, o marxismo chega para explicar Hitler. Alguns vêem Deus em todo e qualquer gênio, outros vêem apenas o sexo. Toda a história humana é templária, a menos que seja hegeliana. O nosso problema é portanto tornar sensível, no estado bruto, a aliança entre o maravilhoso e o positivo no homem isolado ou no homem em sociedade, da mesma forma que o é em biologia, em física ou em matemática modernas, onde se fala muito abertamente e, no fim de contas, muito simplesmente, de Algures Absoluto de Luz Interdita e de Número Quântico de Estranheza. À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina), só o fantástico tem probabilidades de ser verdadeiro, diz Teilhard de Chardin. Mas, para nós, o fenômeno humano deve igualmente medir-se pela escala do cósmico. É o que dizem osmais antigos textos da sabedoria. É igualmente o que diz a nossa civilização, que principia a lançar foguetões em direção aos planetas e procura o contacto com outras inteligências. A nossa posição é portanto a de homens testemunhas das realidades do seu tempo. Vista de perto, a nossa atitude, que introduz o realismo fantástico das ciências superiores nas ciências humanas, nada tem de original. Aliás, nós não pretendemos ser espíritos originais. A idéia de aplicar as matemáticas às ciências não era realmente revolucionária: não obstante, deu resultados novos e importantes. A idéia de que o Universo talvez não seja aquilo que supomos não é original: mas reparemos como Einstein altera as coisas ao aplicá-la.
É evidente que a partir do nosso método, um trabalho como o nosso, elaborado com o máximo de honestidade e o mínimo de ingenuidade, deve provocar mais interrogações do que soluções. Um método de trabalho não é um sistema de pensamento. Não acreditamos que um sistema, por muito engenhoso que seja, possa esclarecer por completo a totalidade da vida que nos ocupa. Podemos remoer indefinidamente o marxismo sem conseguir que nele caiba o fato de que Hitler teve várias vezes consciência, com terror, de que o Superior Desconhecido o visitara. E podia virar-se em todos os sentidos a medicina anterior a Pasteur sem dela extrair a idéia de que as doenças são causadas por animais pequenos demais para serem vistos. No entanto, é possível que haja uma resposta global e definitiva para todas as perguntas que formulamos, e que não a tenhamos ouvido. Nada é excluído, nem o sim, nem o não. Nós não descobrimos nenhuma panacéia; não nos transformamos em discípulos de um novo messias; não propomos doutrina alguma.
Esforçamo-nos simplesmente por abrir para o leitor o maior número possível de portas, e, como a maior parte delas se abrem do lado de dentro, afastamo-nos para o deixar passar.
Repito: o fantástico, a nossos olhos, não é o imaginário. Mas uma imaginação poderosamente aplicada ao estudo da realidade descobre que é muito tênue a fronteira entre o maravilhoso e o positivo, ou, se preferem, entre o universo visível e o universo invisível. Existe talvez um ou vários universos paralelos ao nosso. Creio que não teríamos empreendido esta tarefa se, no decorrer da nossa vida, não tivesse acontecido sentirmo-nos, realmente, fisicamente, em contacto com outro mundo. Isto deu-se, com Bergier, em Mauthausen. Em escala diferente, comigo deu-se na escola de Gurdjieff. As circunstâncias são muito diferentes, mas o fato essencial é o mesmo.
O antropólogo americano Loren Eiseley, cuja forma de pensar se aproxima da nossa, conta uma bela história que exprime bem o que pretendo dizer.
Descobrir outro mundo, diz ele, não é apenas um fato imaginário. Pode acontecer aos homens. Aos animais também.
Por vezes, as fronteiras resvalam ou interpenetram-se: basta estar presente nesse momento. Vi o fato acontecer a um corvo. Esse corvo é meu vizinho: nunca lhe fiz mal algum, mas ele tem o cuidado de se conservar no cimo das árvores, de voar alto e de evitar a humanidade. O seu mundo principia onde a minha vista acaba. Ora, uma manhã, os nossos campos estavam mergulhados num nevoeiro extraordinariamente espesso, e eu dirigia-me às apalpadelas para a estação. Bruscamente, à altura dos meus olhos, surgiram duas asas negras, imensas, precedidas por um bico gigantesco, e tudo isto passou como um raio, soltando um grito de terror tal que eu faço votos para que nunca mais ouça coisa semelhante. Esse grito perseguiu-me durante toda a tarde. Cheguei a consultar o espelho, perguntando a mim próprio o que teria eu de tão revoltante...
Acabei por perceber. A fronteira entre os nossos dois mundos resvalara, devido ao
nevoeiro. Aquele corvo, que supunha voar à altitude habitual, vira de súbito um espetáculo espantoso, contrário, para ele, às leis da natureza. Vira um homem caminhar no espaço, mesmo no centro do mundo dos corvos. Deparara com a manifestação de estranheza mais completa que um corvo pode conceber: um homem voador....
Agora, quando me vê, lá do alto, solta pequenos gritos, e reconheço nesses gritos a incerteza de um espírito cujo universo foi abalado. Já não é, nunca mais será como os outros corvos...
Este livro não é um romance, embora a intenção seja romanesca. Não faz parte da ficção científica, embora nele se deparem mitos que sustentam esse gênero. Não é conjunto de fatos estranhos, embora o Anjo do Bizarro nele se sinta à vontade. Também não é uma contribuição científica, o veículo de um ensino desconhecido, umdocumentário, ou uma efabulação. É a narrativa, por vezes romanceada e por vezes exata, de uma primeira viagem pelos domínios dos conhecimentos ainda quase por explorar.
Como nos diários de bordo dos Navegadores do Renascimento, o imaginário e o real, aextrapolação audaciosa e a visão confundem-se. É que não tivemos nem o tempo nem os meios de aprofundar completamente a exploração. Podemos apenas sugerir hipóteses e indicar as vias de comunicação entre esses diversos domínios que ainda são, por agora, terrenos proibidos. Sobre esses terrenos proibidos apenas fizemos pequenas paragens. Quando tiverem sido melhor explorados, sem dúvida se verificará que muitas das nossas suposições eram delirantes, como os relatos de Marco Polo. É uma eventualidade que aceitamos calmamente. Havia uma quantidade de disparates no livro de Pauwels e Bergier. Eis o que dirão. Mas se tiver sido este livro a provocar a curiosidade de aprofundar o assunto, o nosso fim terá sido atingido.
Poderíamos escrever, como Fulcanelli ao tentar esclarecer e descrever o mistério das catedrais: Deixamos ao leitor o cuidado de estabelecer todas as comparações úteis, de coordenar as versões, de isolar a verdade positiva combinada com a alegoria lendária nestes fragmentos enigmáticos. Todavia, a nossa documentação nada deve a sábios ocultos, a livros enterrados ou a arquivos secretos. É vasta, mas acessível a todos. Para que não se tornasse excessivamente pesada, evitamos multiplicar as referências, as notas no final das páginas, as indicações bibliográficas, etc. Por vezes servimo-nos de imagens e alegorias, preocupados com a eficácia e não por gosto pelo mistério, tão vivo nos esotéricos que nos faz pensar neste diálogo dos Irmãos Marx:
Olha, há um tesouro na casa ao lado.
- Mas não há casa alguma aqui ao lado.
-Então construiremos uma!
Este livro, como já disse, deve muito a Jacques Bergier. Não apenas na sua teoria geral, que é o fruto de uma comunhão das nossas idéias, como ainda na documentação. Todos aqueles que se aproximaram deste homem de memória sobre¬humana, de curiosidade voraz e - o que é ainda mais raro - com uma permanente presença de espírito, acreditar-me-ão facilmente se eu disser que num lustro Bergier fez-me ganhar vinte anos de leitura ativa. Nesse cérebro poderoso há uma formidável biblioteca sempre em serviço; a escolha, a classificação, as conexões mais complexas estabelecem-se à velocidade eletrônica. O espetáculo dessa inteligência em movimento jamais deixou de provocar em mim uma exaltação das faculdades sem a qual concepção e a redação deste trabalho me teriam sido impossíveis.
Num escritório da Rua de Berri que um grande impressor pusera generosamente à nossa disposição, reunimos uma quantidade de livros, revistas, relatos, jornais em todas as línguas, e uma secretária datilografou centenas de páginas de notas, de citações, de traduções de reflexões que nós lhe ditamos. Em minha casa, no Mesnil-le-Roi, prosseguíamos todos os domingos a nossa conversa, entrecortada por leituras, e eu anotava por escrito, na própria noite, o essencial das nossas palavras, as idéias que delas tinham surgido, as novas direções sugeridas pelas pesquisas.

Imagem: liceu-aristotelico.blogspot.com

Sem comentários:

Enviar um comentário