terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Despertar dos Mágicos (70). Quando Teilhard de Chardin chega a atingir o ponto Ômega,


Apenas a moderna linguagem matemática pode, provavelmente, traduzir certos resultados do pensamento analógico. Existem, na física matemática, domínios do algures absoluto e de contínuos de medida nula, quer dizer, medidas de universos inconcebíveis e no entanto reais.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

É natural que nos interroguemos a nós próprios para saber por que motivo os poetas ainda não foram ouvir junto dessa ciência o canto das realidades fantásticas, a não ser por receio de terem de reconhecer esta evidência: que a arte mágica vive e progride para além dos seus gabinetes. Esta linguagem matemática a testemunhar a existência de um universo que escapa à consciência normalmente lúcida é a única em atividade, em constante progresso.
Os seres matemáticos, quer dizer, as expressões, os signos que simbolizam a vida e as leis do mundo invisível, do mundo impensável, desenvolvem, fecundam outros seres. Para falar com propriedade, esta linguagem é a verdadeira língua verde do nosso tempo.
Sim, a língua verde, a gíria no sentido original dessas palavras ', no sentido que se lhes dava na Idade Média (e não no sentido insípido que hoje lhe atribuem certos literatos que se julgam audaciosos), eis que a encontramos na ciência de vanguarda, na física matemática que é, se analisarmos bem, um desregramento da inteligência aceite, uma ruptura, uma visão.
O que é a arte gótica, à qual devemos as catedrais? Baseando-se na similitude fonética entre argot (gíria) e art goth (arte dos godos), bem como entre argotique (de gíria) e art gotháque (arte gótica, arte dos godos), Fulcanelli escrevia 2: Para nós a arte gótica não passa de uma deformação ortográfica da palavra argotáque, de acordo com a lei fonética que rege, em todas as línguas, sem dar a menor atenção à ortografia, a cabala tradicional. A catedral é uma obra de art got ou de argot.
E o que é a catedral de hoje, a que ensina aos homens as estruturas da Criação, senão a equação, que substituiu a rosácea? Libertemo-nos das fidelidades inúteis ao passado, a fim de melhor nos ligarmos a ele. Não procuremos a catedral moderna no monumento de vidro e betão encimado de uma cruz. A catedral da Idade Média era o livro dos mistérios dado aos homens do passado. O livro dos mistérios, hoje, são os físicos matemáticos que o escrevem, com seres matemáticos, encaixados como rosáceas nas construções que se chamam foguetões interplanetários, fábrica atômica, ciclotron. Eis a verdadeira continuidade, eis o verdadeiro fio da tradição.
Os argotáers da Idade Média, filhos espirituais dos Argonautas que conheciam o caminho do jardim das Hespérides, escreviam na pedra a sua mensagem hermética. Signos incompreensíveis para os homens nos quais a consciência não sofreu transformações, nem o cérebro sofreu aquela aceleração formidável pela qual o inconcebível se torna real, sensível e manejável. Não eram secretos por amor ao secreto, mas simplesmente porque as suas descobertas das leis da energia, da matéria e do espírito se tinham efetuado noutro estado de consciência, incomunicável diretamente. Eram secretos, porque ser é ser diferente.
Por tradição atenuada, como em recordação de tão alto exemplo, o calão é nos nossos dias um dialeto à margem, usado pelos insubmissos, ávidos de liberdade, pelos proscritos, os nômades, por todos aqueles que vivem à margem das leis vigentes e das convenções. Esses eram os voyants (videntes), ou seja, por corrupção da palavra, os voyous (que veio a significar vadios), e entre eles havia-os que se proclamavam Filhos do Sol, sendo assim L'art got a arte da luz ou do espírito.
Mas reencontraremos a tradição sem degenerescência se nos apercebermos de que esse art got, que é arte do espírito, é hoje a arte dos seres matemáticos e dos integrais de Lebesque, dos números para além do Infinito; a dos físicos matemáticos que edificam, em curvas insólitas, em luzes interditas, em trovoadas e em chamas, as catedrais para as missas do futuro.
Estas observações arriscam-se a parecer revoltantes para um leitor religioso. Mas não são. Pensamos que as possibilidades do cérebro humano são infinitas. Isto põe-nos em contradição com a psicologia e a ciência oficiais, que têm confiança no homem, sob a condição de que ele não ultrapasse o quadro traçado pelos racionalistas do século XIX. Isto não deveria pôr-nos em contradição com o espírito religioso, pelo menos com o que tem de mais puro e de mais alto.
O homem pode atingir os segredos, ver a luz, ver a Eternidade, apreender as leis da Energia, adaptar a sua marcha interior ao ritmo do destino universal, ter um conhecimento sensível da última convergência das forças e, como Teilhard de Chardin, viver da incompreensível vida do ponto Ômega onde toda a criação se encontrará, no final do tempo terrestre, a um tempo terminada, consumida e exaltada. O homem tudo pode. A sua inteligência, equipada provavelmente, desde a origem, para um conhecimento infinito, pode, em certas condições, apreender o conjunto dos mecanismos da vida. O poder da inteligência humana inteiramente manifestada provavelmente pode atingir a totalidade do Universo. Mas esse poder cessa onde essa inteligência, chegada ao termo da sua missão, pressente que ainda há qualquer coisa para além do Universo.
Aqui, a consciência analógica perde toda a possibilidade de funcionar. Não há, no Universo, modelos do que está para além do Universo. Essa porta intransponível é a do Reino de Deus. Aceitamos essa expressão, nesta acepção: Reino de Deus.
Por ter tentado ultrapassar o Universo imaginando um número maior que tudo o que se poderia conceber no Universo, por ter tentado constituir um conceito que o Universo não pudesse preencher, o genial matemático Cantor acabou na loucura. Há uma última porta que a inteligência analógica não pode abrir. Poucos textos igualam em grandeza metafísica aquele onde H. P. Lovecraft' tenta descrever a aventura desvairada do homem desperto que teria conseguido entreabrir essa porta e portanto afirmaria ter penetrado ali onde Deus reina para além do infinito. . .
Ele sabia que um tal Randolph Carter, de Boston, tinha existido; no entanto não podia saber com certeza se era ele próprio, fragmento ou faceta de entidade para além da última Porta, ou qualquer outro, que fora esse Randolph Carter. O seu eu fora destruído, e, no entanto, graças a qualquer faculdade inconcebível, tinha igualmente consciência de ser uma legião de eu. Se é que nesse sítio, onde a menor noção de existência individual estava abolida, podia sobreviver, sob qualquer forma, uma coisa tão singular. Era como se o seu corpo tivesse sido bruscamente transformado numa dessas efígies, de múltiplas cabeças e membros, dos templos hindus. Num esforço insensato, contemplando esse aglomerado, tentava separar o seu corpo original - se é que podia existir um corpo original...
Nessas terrificantes visões, esse fragmento de Randolph Carter que ultrapassara a última Porta foi arrancado ao nadir do horror para mergulhar nos abismos de um horror ainda mais profundo e, dessa vez, isso vinha do interior: era uma força, uma espécie de personalidade que bruscamente lhe fazia frente e o envolvia ao mesmo tempo, se apossava dele e se integrava a sua própria presença, coexistia a todas as eternidades, era contíguo a todos os espaços.
Não havia qualquer manifestação visível, mas a percepção dessa entidade e a temível combinação dos conceitos de entidade e de infinidade provocava-lhe um terror paralisante. Esse terror ultrapassava de longe todos os que, até ali, Carter suspeitara que existiam... Essa entidade era uma e um todo, um ser a um tempo infinito e limitado que não fazia apenas parte de um contínuo espaço-tempo, mas que fazia parte integrante do turbilhão eterno das forças de vida, do último turbilhão sem limites que tanto ultrapassa as matemáticas como a imaginação.
Essa entidade talvez fosse aquela que certos cultos secretos da Terra evocam em voz baixa e que os espíritos vaporosos das nebulosas espirais designam por meio de um signo impossível de reproduzir... E, num relâmpago, projetado ainda mais longe, o fragmento de Carter conheceu a superficialidade, a insuficiência do que acabava de experimentar mesmo disso, mesmo disso.. .
Voltemos ao nosso assunto inicial. Nós não dizemos: existe, na imensa superfície silenciosa do cérebro, uma máquina eletrônica analógica. Dizemos: visto que existem máquinas aritméticas e máquinas analógicas, não seria possível imaginar, para além do funcionamento da nossa inteligência em estado normal, um funcionamento em estado superior? Poderes da inteligência que pertenceriam à mesma categoria dos da máquina analógica? A nossa comparação não deve ser tomada à letra. Trata-se de um ponto de partida, de uma rampa de lançamento em direção às regiões da inteligência ainda selvagens, quase por explorar. Nessas regiões, a inteligência talvez comece bruscamente a cintilar, iluminando as coisas habitualmente escondidas do Universo. De que forma consegue ela atingir essas regiões onde a sua própria vida se torna prodigiosa? Por que operações se dá a mudança de estado? Não afirmamos que o sabemos. Dizemos que há, nos ritos mágicos e religiosos, na imensa literatura antiga e moderna consagrada aos momentos singulares, aos instantes fantásticos do espírito, milhares e milhares de descrições fragmentárias que seria necessário reunir, comparar, e que talvez evoquem um método perdido - ou um método futuro.
Pode dar-se o caso de que por vezes a inteligência roce, como que por acaso, a fronteira dessas regiões selvagens. Aí põe em movimento, durante uma fração desegundo, as máquinas superiores de que distingue confusamente o ruído. É a minha história da relavote, são todos esses fenômenos ditos parapsicológicos cuja existência tanto nos perturba, são esses extraordinários e raros fachos iluminativos, um, dois ou três, que a maior parte das pessoas sensitivas sentem no decorrer da vida, e sobretudo nas mais tenras idades. Nada resta, apenas a recordação. transpor essa fronteira (ou, como dizem os textos tradicionais: entrar no estado de vigília) provoca um benefício muito maior e não parece ser obra do acaso. Tudo leva a pensar que essa ultrapassagem exige a reunião e a orientação de um enorme número de forças, exteriores e interiores. Não é absurdo supor que essas forças estão à nossa disposição.
Simplesmente, falta-nos o método. Também nos faltava o método, há pouco tempo, para libertar a energia nuclear. Mas talvez essas forças estejam apenas à nossa disposição no caso de nós comprometermos, para as captar, a totalidade da nossa existência. Os ascetas, os santos, os taumaturgos, os videntes, os poetas e os sábios de gênio não dizem outra coisa. E é o que escreve William Temple, moderno poeta americano: Nenhuma revelação especial é possível se a própria existência não for um instrumento de revelação.
Retomemos portanto a nossa comparação. Foi durante a segunda guerra mundial que a pesquisa operacional nasceu. Para que a necessidade de semelhante método se fizesse sentir era necessário que se pusessem problemas que escapavam ao bom¬senso e à experiência. Portanto os tácticos recorreram aos matemáticos:
Quando uma situação, pela complexidade da sua estrutura aparente e da sua evolução visível, não pode ser dominada pelos processos habituais, pede-se aos cientistas para tratarem essa situação da mesma forma que, na sua especialidade, tratam os fenômenos da natureza, e para, desta forma, elaborarem uma teoria. Criar a teoria de uma situação ou de um objeto é imaginar um modelo abstrato cujas propriedades simularão as propriedades desse objeto. O modelo é sempre matemático. Por seu intermédio, as questões concretas são traduzidas em propriedades matemáticas.
Trata-se do modelo de uma coisa ou de uma situação demasiado nova ou demasiado complexa para ser apreendida na sua realidade total pela inteligência. Em pesquisa operacional fundamental, há então interesse em construir uma máquina eletrônica analógica de forma que essa máquina realize o modelo. Pode-se então, manipulando os botões de regulamento e vendo-a funcionar, encontrar respostas para todas as perguntas em vista das quais o modelo foi concebido.
Essas definições são extraídas de um boletim técnico. São mais importantes, para uma visão do homem desperto, para uma compreensão do espírito mágico, do que a maior parte das obras de literatura ocultista. Se nós traduzirmos modelo por ídolo ou símbolo, e máquina analógica por funcionamento iluminativo do cérebro ou estado de hiperlucidez, vemos que o mais misterioso caminho do conhecimento humano - aquele que se recusa a admitir os herdeiros do século XIX positivista- é um verdadeiro egrande caminho. É a técnica moderna que nos convida a considerá-lo como tal.
A presença dos símbolos, signos enigmáticos e de expressão misteriosa nas tradições religiosas, as obras de arte, os contos e os costumes do folclore provam a existência de uma linguagem universalmente espalhada no Oriente assim como no Ocidente, e cuja significação trans-histórica parece situar-se na própria raiz da nossa existência, dos nossos conhecimentos e dos nossos valores '.
Ora, o que é o símbolo, senão o modelo abstrato de uma realidade, de uma estrutura, que a inteligência humana não pode dominar inteiramente, mas cuja teoria esboça?
O símbolo revela certos aspectos da realidade -os mais profundos - que desafiam qualquer processo de conhecimento 2. Como o modelo que o matemático elabora a partir de um objeto ou de uma situação que escapa ao bom-senso ou a experiência, as propriedades do símbolo simulam as propriedades do objeto ou da situação assim abstratamente representados, e cujo aspecto fundamental se mantém dissimulado. Em seguida seria necessário que uma máquina eletrônica analógica fosse montada e funcionasse, a partir desse modelo, para que o símbolo mostrasse a realidade que contém e as respostas a todas as perguntas em vista das quais foi concebido.
O equivalente dessa máquina, supomos nós, existe no homem. Certas atitudes mentais e físicas ainda mal conhecidas podem provocar-lhe o funcionamento. Todas as técnicas, ascéticas, religiosas, mágicas parecem orientadas para esse resultado, e é provavelmente isso que a tradição, percorrendo toda a história da humanidade, exprime ao prometer aos sábios o estado de vigília. Assim, os símbolos talvez sejam os modelos abstratos, estabelecidos desde as origens da humanidade pensante, a partir dos quais as estruturas profundas do Universo nos poderiam ser sensíveis.
Mas atenção! Os símbolos não representam a coisa em si, o fenômeno em si. Seria igualmente falso pensar que eles são pura e simplesmente esquematizações. Na pesquisa operacional, o modelo não é o modelo reduzido ou simplificado de uma coisaconhecida. É o ponto de partida possível em vista do conhecimento dessa coisa. É um ponto de partida situado fora da realidade: situado no universo matemático. Em seguida será necessário que a máquina analógica, construída sobre esse modelo, entre em transes eletrônicos para que as respostas práticas sejam dadas.
Eis porque todas as explicações dos símbolos aos quais se dedicam os ocultistas são sem interesse. Eles trabalham sobre os símbolos como se se tratasse de esquemas traduzíveis pela inteligência no estado normal. Como se, desses esquemas, se pudesse caminhar imediatamente para uma realidade. Desde há séculos que assim ocupam o seu tempo na Cruz de Santo André, na suástica, na estrela de Salomão, e o estudo das estruturas profundas do Universo nem por isso avançou.
Devido a uma inspiração da sua sublime inteligência, Einstein conseguiu entrever (não a apreender totalmente, não a incorporar-se e a dominar) a relação espaço-tempo. Para comunicar a sua descoberta no grau em que ela é inteligentemente comunicável, e para se ajudar a si próprio, no sentido de se elevar até à sua própria visão iluminativa, desenha o signo e/ou triedro de referência. Esse desenho não é um esquema darealidade. É vulgarmente inutilizável. É um levanta-te e caminha! para o conjunto dos conhecimentos físico-matemáticos. Mas todo esse conjunto posto em movimento num cérebro potente não conseguirá senão reencontrar o que esse triedro evoca, e não passar ao Universo onde existe a lei expressa por esse signo. No final dessa marcha, porém, saber-se-á pelo menos que este outro universo existe.
Todos os símbolos são talvez da mesma categoria. A suástica invertida, ou Cruz gamada, cuja origem se perde no mais longínquo passado, talvez seja o modelo da lei que preside a toda a destruição. Cada vez que há destruição, na matéria ou no espírito,
o movimento das forças é talvez conforme a esse modelo, da mesma forma que a relação espaço-tempo é conforme ao triedro. Assim também, diz-nos o matemático Eric Temple Bell, talvez a espiral seja o modelo da estrutura profunda de toda a evolução (da energia, da vida, da consciência).
Pode ser que no estado de vigília o cérebro possa funcionar como a máquina analógica a partir de um modelo estabelecido, e que desta forma ele penetre, a partir da suástica, a estrutura universal da destruição, a partir da espiral, a estrutura universal da evolução. Os símbolos, os signos são talvez, portanto, modelos concebidos para as máquinas superiores do nosso espírito, em vista ao funcionamento da nossa inteligência noutro estado. A nossa inteligência, no seu estado vulgar, talvez trabalhe, com o seu vértice mais delicado, desenhando modelos graças aos quais, passando para um estado superior, poderia incorporar-se a última realidade das coisas.
Quando Teilhard de Chardin chega a atingir o ponto Ômega, elabora dessa forma o modelo do último ponto da evolução. Mas para sentir a realidade desse ponto, para viver em profundidade uma realidade tão pouco imaginável, para que a consciência integre essa realidade, a assimile por completo -para que a consciência, no fim decontas, se transforme ela própria no ponto Ômega e apreenda tudo o que é apreensível num tal ponto: o sentido último da vida da Terra, o destino cósmico do Espírito realizado, para além do final dos tempos no nosso globo -, para que essa passagem da idéia ao conhecimento se faça, seria necessário que surgisse outra forma de inteligência.

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