A tendência já forte de as pessoas se preocuparem com cientistas malucos que poderiam criar um buraco negro capaz de engolir a Terra.
Se cavássemos um buraco a meros 100 metros do centro do charmoso vilarejo francês de Crozet, toparíamos com um cenário que lembra o esconderijo subterrâneo de um dos vilões dos filmes de James Bond. Um túnel com 3 metros de diâmetro, curvo e muito iluminado, perde-se na distância, interrompido de tantos em tantos quilômetros por majestosas câmaras atulhadas de estruturas de aço, cabos, canos, fios, magnetos, tubos, poços, passarelas e equipamentos enigmáticos.
Toda essa parafernália tecnológica faz parte de um único e imenso instrumento científico, um acelerador de partículas - o mais poderoso canhão de átomos já construído. Ele recebeu o nome de Large Hadron Collider (LHC, ou grande colisor de hádrons), e vai servir para algo bem simples, mas extremamente ambicioso: decifrar o segredo do mundo físico e descobrir em que consiste o universo - em outros termos, ele tentará responder às questões mais básicas que podemos colocar.
Em algum momento nos próximos meses, dois feixes de partículas vão percorrer, em direções opostas, o túnel que forma um anel subterrâneo com nada menos que 27 quilômetros de circunferência. As partículas serão guiadas por mais de um milhar de magnetos cilíndricos e super-resfriados, ligados uns aos outros como salsichas. Em quatro pontos do anel, os feixes irão convergir, fazendo com que as partículas se choquem umas nas outras a uma velocidade quase idêntica à da luz. Se tudo correr bem, as violentas colisões vão transformar a matéria em fortes pulsos de energia, os quais por sua vez irão se tornar vários tipos interessantes de partículas, algumas das quais jamais vistas. Nisso se resume a física experimental de partículas: fragmentos de coisas são lançados uns contra os outros e desse choque surgem outras coisas.
O conjunto de equipamentos distribuídos ao longo do túnel permite o exame da nuvem produzida pelas colisões. O maior deles, batizado de Atlas, possui um detector da altura de um prédio de sete andares. Já o Compact Muon Solenoid (CMS, ou solenóide compacto de múons) é mais pesado que a torre Eiffel. "Na busca do muito pequeno, quanto maior, melhor" poderia ser o lema da Organização Européia de Pesquisa Nuclear, mais conhecida por sua antiga sigla, Cern (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), o laboratório internacional que criou o LHC.
Soa assustador, e é. A construção do LHC em um túnel foi uma medida prudente. O feixe de partículas poderia abrir um buraco em praticamente qualquer coisa, embora a vítima mais provável talvez seja o próprio aparato. Um acidente já ocorreu: um dos magnetos quase se soltou de seu suporte durante um teste em março de 2007. Desde então, 24 magnetos foram recondicionados de modo a sanar uma deficiência do projeto. Os responsáveis pelo LHC não se mostram muito dispostos a falar sobre o que pode dar errado, talvez para não incentivar a tendência já forte de as pessoas se preocuparem com cientistas malucos que poderiam criar um buraco negro capaz de engolir a Terra.
Por: Joel Achenbach. Foto: Peter Ginter
Publicado em 03/2008
http://viajeaqui.abril.com.br/ng/materias/ng_materia_270796.shtml
Se cavássemos um buraco a meros 100 metros do centro do charmoso vilarejo francês de Crozet, toparíamos com um cenário que lembra o esconderijo subterrâneo de um dos vilões dos filmes de James Bond. Um túnel com 3 metros de diâmetro, curvo e muito iluminado, perde-se na distância, interrompido de tantos em tantos quilômetros por majestosas câmaras atulhadas de estruturas de aço, cabos, canos, fios, magnetos, tubos, poços, passarelas e equipamentos enigmáticos.
Toda essa parafernália tecnológica faz parte de um único e imenso instrumento científico, um acelerador de partículas - o mais poderoso canhão de átomos já construído. Ele recebeu o nome de Large Hadron Collider (LHC, ou grande colisor de hádrons), e vai servir para algo bem simples, mas extremamente ambicioso: decifrar o segredo do mundo físico e descobrir em que consiste o universo - em outros termos, ele tentará responder às questões mais básicas que podemos colocar.
Em algum momento nos próximos meses, dois feixes de partículas vão percorrer, em direções opostas, o túnel que forma um anel subterrâneo com nada menos que 27 quilômetros de circunferência. As partículas serão guiadas por mais de um milhar de magnetos cilíndricos e super-resfriados, ligados uns aos outros como salsichas. Em quatro pontos do anel, os feixes irão convergir, fazendo com que as partículas se choquem umas nas outras a uma velocidade quase idêntica à da luz. Se tudo correr bem, as violentas colisões vão transformar a matéria em fortes pulsos de energia, os quais por sua vez irão se tornar vários tipos interessantes de partículas, algumas das quais jamais vistas. Nisso se resume a física experimental de partículas: fragmentos de coisas são lançados uns contra os outros e desse choque surgem outras coisas.
O conjunto de equipamentos distribuídos ao longo do túnel permite o exame da nuvem produzida pelas colisões. O maior deles, batizado de Atlas, possui um detector da altura de um prédio de sete andares. Já o Compact Muon Solenoid (CMS, ou solenóide compacto de múons) é mais pesado que a torre Eiffel. "Na busca do muito pequeno, quanto maior, melhor" poderia ser o lema da Organização Européia de Pesquisa Nuclear, mais conhecida por sua antiga sigla, Cern (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), o laboratório internacional que criou o LHC.
Soa assustador, e é. A construção do LHC em um túnel foi uma medida prudente. O feixe de partículas poderia abrir um buraco em praticamente qualquer coisa, embora a vítima mais provável talvez seja o próprio aparato. Um acidente já ocorreu: um dos magnetos quase se soltou de seu suporte durante um teste em março de 2007. Desde então, 24 magnetos foram recondicionados de modo a sanar uma deficiência do projeto. Os responsáveis pelo LHC não se mostram muito dispostos a falar sobre o que pode dar errado, talvez para não incentivar a tendência já forte de as pessoas se preocuparem com cientistas malucos que poderiam criar um buraco negro capaz de engolir a Terra.
Por: Joel Achenbach. Foto: Peter Ginter
Publicado em 03/2008
http://viajeaqui.abril.com.br/ng/materias/ng_materia_270796.shtml
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