terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (49). Essa sociedade chamava-se a Golden Dawn.


Só Maeterlinck se impressionou: os meus melhores agradecimentos pela revelação desta bela e singular obra. É, segundo creio, a primeira vez que foi tentada a mistura do fantástico tradicional ou diabólico com o fantástico moderno e científico e que dessa mistura nasceu a obra mais impressionante que conheço, pois atinge simultaneamente as nossas recordações e as nossas esperanças

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Arthur Machen nasceu em 1863 no país de Gales, em Caerlson-Usk, minúscula aldeia que foi a sede do rei Artur e de onde os Cavaleiros da Távola Redonda partiram em busca do Graal. Quando se sabe que Himmler, em plena guerra, organizou uma expedição com o fim de procurar o vaso sagrado, falaremos nisso mais adiante, quando, para esclarecer a história nazista secreta, se depara com um texto de Machen, descobrindo em seguida que este escritor nasceu nessa aldeia, berço dos temas wagnerianos, pensa-se uma vez mais que, para quem sabe ler, as coincidências usam trajos de luz.
Machen instalou-se em Londres ainda jovem e aí viveu assustado, como Lovecraft em Nova Iorque. Caixeiro de livraria durante alguns meses, depois preceptor, chegou à conclusão de que era incapaz de ganhar a vida em sociedade. Começou a escrever numa penúria material extrema e total cansaço. Durante um longo período, viveu de traduções: As Memórias de Casanova, em doze volumes, por trinta shillings por semana durante dois anos. Recebeu uma pequena herança por morte de seu pai, Clergyman, e, com a subsistência garantida durante algum tempo, prosseguiu a sua obra com o sentimento crescente de que um imenso golfo espiritual o separava dos outros homens, e que era necessário aceitar cada vez mais profundamente aquela vida de Robinson Crusoé da alma.
As suas primeiras narrativas fantásticas foram publicadas em 1895. São elas The Great God Pan e The Immost Light. Aí afirma que o Grande Pã não morreu e que as forças do mal, no sentido mágico do termo, não cessam de esperar por alguns de nós para nos fazer passar para o outro lado do mundo. Nesse mesmo registro publicou no ano seguinte O Pó Branco, que é a sua obra mais poderosa juntamente com The Secret Glory, sua obra-prima, escrita aos sessenta anos.
Aos trinta e seis anos, após doze de amor, perdeu a mulher: Não chegamos a estar separados doze horas durante esses doze anos; podem portanto avaliar o que sofri e continuo a sofrer todos os dias. Se sinto algum desejo de ver os meus manuscritos impressos é para lhe poder dedicar cada um deles nestes termos: Auctoris Anima adDominam. É ignorado, vive na miséria, e tem o coração partido. Três anos depois, com trinta e nove anos, renuncia à literatura e faz-se ator ambulante. O senhor diz-me que não tem muita coragem, escreve ele a Toulet. Eu não tenho nenhuma. tão pouca que já não escrevo uma linha, e nunca mais escreverei, suponho. Tornei-me cabotino; dediquei-me ao teatro e neste momento represento um papel em Coriolano.
Deambula através da Inglaterra, com a companhia shakespeariana de sir Frank Benson, depois reúne-se ao grupo do Teatro Saint James. Pouco antes da guerra de 1914, tendo tido de abandonar o teatro, faz um pouco de jornalismo, para sobreviver. Não escreve nenhum livro. Na barafunda de Fleet Street, entre os seus companheiros de trabalho sempre atarefados, a sua figura estranha de homem meditativo, as suas maneiras lentas e afáveis de erudito fazem sorrir.
Para Machen, como se pode verificar em toda a sua obra, o homem é feito de mistério para os mistérios e as visões.
A realidade é o sobrenatural. O mundo exterior é pouco instrutivo, a menos que seja
visto como um reservatório de símbolos e de significações escondidas. Só as obras de imaginação produzidas por um espírito que procura as verdades eternas têm alguma probabilidade de ser obras reais e realmente úteis. Como diz o crítico Philip Van Doren Stern, é possível que houvesse mais verdades essenciais nas narrativas fantásticas de Arthur Machen do que em todos os gráficos e todas as estatísticas do Mundo.
Foi uma estranha aventura que reconduziu Machen à vida literária. Tornou o célebre durante algumas semanas e o choque que sofreu decidiu-o a acabar a vida como escritor. O jornalismo pesava-lhe, e já não sentia desejos de escrever para ele próprio. A guerra acabava de se declarar. Havia necessidade de literatura heróica. Não era esse o seu gênero. The Evening News pediu-lhe uma narrativa. Ele escreveu-a ao correr da pena, mas apesar de tudo no seu estilo. Chamava-se The Bowmen (Os Arqueiros). O jornal publicou essa narrativa a 29 de Setembro de 1914, no dia seguinte ao da retirada de Mons. Machen imaginara um episódio dessa batalha. São Jorge com a sua armadura rutilante, à frente de anjos que são os antigos arqueiros de Azincourt, vem em auxílio do exército britânico. Escreveram para o jornal dezenas de soldados: esse senhor Machen não inventara. Eles tinham visto, com os seus próprios olhos, diante de Mons, os anjos de São Jorge deslizarem para o meio das fileiras. Podiam testemunhá¬lo sob a sua honra.
Inúmeras dessas cartas foram publicadas. A Inglaterra, ávida de milagres num momento tão perigoso, comoveu-se. Machen sofrera por o terem ignorado quando tentara revelar as realidades secretas. Dessa vez, com um fantástico sem categoria, agitava o país inteiro. Ou então, dar-se-ia o caso de que as forças ocultas se levantassem e tomassem tal ou tal forma ao apelo da sua imaginação, tantas vezes agarrada às verdades essenciais e que trabalhara talvez, sem ele próprio o saber, em profundidade? Machen repetiu, nos jornais, mais de doze vezes, que a sua narrativa era pura ficção. Ninguém o admitiu. Na véspera da sua morte, mais de trinta anos depois, já muito velho, constantemente se referia a essa extravagante história dos anjos de Mons.
A despeito dessa celebridade, o livro que ele escreveu em 1915 não teve o menor êxito. Tratava-se de O Grande Regresso, meditação sobre o Graal. Depois veio, em 1922, The Secret Glory, que é uma crítica ao mundo moderno à luz da experiência religiosa. Aos sessenta anos começou uma autobiografia original em três volumes. Tinha alguns admiradores em Inglaterra e na América, mas morria de fome. Em 1943 (tinha então oitenta anos), Bernard Shaw, Max Beerbohn, T. S. Eliot organizaram uma comissão para tentar reunir fundos que lhe permitissem não acabar num asilo de indigentes. Pôde terminar os seus dias em paz, numa pequena casa de Buckinghamshire, e morreu em 1947. Sempre o encantara uma frase de Murger. Em A Vida de Boêmia, Marcel, o pintor, nem sequer possui uma cama. Mas então onde é que descansa?, pergunta-lhe o proprietário. Senhor, responde Marcel, descanso na Providência.
Por volta de 1880, em França, na Inglaterra e na Alemanha fundam-se sociedades iniciáticas e ordens herméticas que agrupam poderosas personalidades. A história dessa crise mística pós-romântica ainda não foi escrita. Merecia sê-lo. Ali se encontraria a origem de várias correntes de pensamento importantes e que, por sua vez, determinariam correntes políticas. Nas cartas de Arthur Machen a P.J. Toulet encontram-se duas curiosas passagens.
Em 1899:
Quando escrevi Pã e O Pó Branco, não imaginava que acontecimentos tão estranhos alguma vez se dessem na vida real, ou até que jamais fossem susceptíveis de se produzir.
Mas depois, e muito recentemente, verificaram-se na minha própria existência experiências que alteraram completamente o meu ponto de vista a esse respeito... De hoje em diante estou convencido de que nada é impossível sobre a Terra. Tenho apenas que acrescentar, acho eu, que nenhuma das experiências que fiz tem qualquer coisa a ver com aldrabices como o espiritualismo ou a teosofia. Mas creio que vivemos num mundo de grande mistério, de coisas insuspeitadas e absolutamente espantosas. Em 1900:
Uma coisa que pode divertir o meu amigo: enviei O Grande Deus Pã a um adepto, um ocultista avançado, que encontrei subrosa! e ele escreveu: O livro prova bem que, por meio do pensamento e da meditação, mais do que pela leitura, V. Ex.a tem atingido um certo grau de iniciação independente das ordens e das organizações.
Quem é esse adepto? E quais são essas experiências? Noutra carta, após a passagem de Toulet por Londres Machen escreve:
O sr. Waite simpatizou muito consigo, pede-me que envie os seus cumprimentos.
Despertou a nossa atenção o nome desse íntimo de Machen que se dava com tão poucas pessoas. Waite foi um dos melhores historiadores de alquimia e um especialista da ordem de Rosa-Cruz. Tínhamos chegado àquele ponto das nossas investigações que nos esclareciam a respeito das curiosidades intelectuais de Machen, quando um dos nossos amigos nos fez uma série de revelações sobre a existência, em Inglaterra, no final do século XIX e princípio do XX, de uma sociedade iniciática: inspirada na Rosa-Cruz.
Essa sociedade chamava-se a Golden Dawn. Era composta por alguns dos espíritos mais brilhantes de Inglaterra. Arthur Machen foi um dos adeptos.
A Golden Dawn, fundada em 1887, era procedente da Sociedade da Rosa-Cruz inglesa, criada vinte anos antes por Robert Wentworth Little, e que angariava partidários entre os mestres maçons. Esta última sociedade compreendia 144 membros, entre os quais Bulwer-Lytton, autor de Os últimos Dias de Pompéia. A Golden Dawn, mais reduzida ainda, tinha como finalidade a prática da magia cerimonial e a obtenção dos poderes e conhecimentos iniciáticos. Os seus chefes eram Woodman, Mathers e Wynn Wescott (o iniciado de que Machen falava a Toulet na sua carta do ano de 1900). Ela estava em contacto com sociedades similares alemãs de que mais tarde se encontrarão certos membros no famoso movimento de antroposofia do período pré-nazista. Viria a ter como mestre Aleister Crowley, um homem absolutamente extraordinário e com certeza um dos maiores espíritos do neopaganismo de que seguiremos a pista na Alemanha. (Ele viria a publicar essas revelações nos números 2 e 3 da revista La Tour Saint Jacques, em 1956, sob o nome de Pierre Victor: L’ordre hermétique de la Golden Dawn).
S. L. Mathers, após a morte de Woodmann, e a retirada de Wescott, foi o grande mestre da Golden Dawn, que governou durante algum tempo de Paris, onde acabava de desposar a irmã de Henri Bergson. Mathers foi substituído na direção da Golden Dawn pelo célebre poeta Yeats, que mais tarde viria a receber o Prêmio Nobel. Yeats
tomou o nome de Irmão Diabo é Deus Inversus. Presidia às sessões de kilt escocês, mascarado de preto e com um punhal de ouro à cintura.
Arthur Machen tomara o nome de Filus Aquartá. Havia uma mulher filiada na Golden Dawn: Florence Farr, diretora de teatro e amiga íntima de Bernard Shaw. Ali se encontravam também os escritores Blackwood, Stoker, o autor de Drácula, e Sax Rohmer, assim como Peck, o astrônomo real da Escócia, o célebre engenheiro Allan Bennett e sir Gerald Kelly, presidente da Real Academia. Segundo parece, esses espíritos de elite foram marcados de forma indelével pela Golden Dawn. Como eles próprios confessaram, a visão que tinham do mundo foi alterada e as práticas às quais se entregaram não deixaram de lhes parecer eficazes e exaltantes.
Certos textos de Arthur Machen ressuscitam uma sabedoria esquecida pela maior parte dos homens, e no entanto indispensável para uma justa compreensão do mundo. Mesmo para o leitor não prevenido, emana uma inquietante verdade das frases deste escritor.
Quando decidimos apresentar-vos certas páginas de Machen nada sabíamos da Golden Dawn. Guardadas todas as proporções e salva a nossa humildade, passou-se aqui conosco o que se passa com os maiores prestidigitadores: o que os distingue dos seus semelhantes em destreza é que, no decorrer dos seus melhores exercícios, os objetos começam a ter uma vida própria, escapam-se-lhes, entregando-se a proezas imprevistas. Nós sentimo-nos ultrapassados pelo mágico. Procurávamos num texto de Machen que nos impressionara um esclarecimento geral sobre os aspectos do nazismo que nos parecem mais significativos do que tudo o que foi dito pela história oficial. Verifica-se que uma lógica implacável rege, de fato, o nosso sistema aparentemente extravagante. De certo modo, não é de admirar que esse esclarecimento geral nos venha de um membro de uma sociedade iniciática com forte inclinação para o neopaganismo.
Eis o texto que serve de introdução a um conto intitulada The White People. Esse conto, escrito depois de O Grande Deus Pã, figura numa coleção de textos de Machen publicada após a sua morte: Tales of Horror and the Supernatural (Richard's Press, Londres).
O texto de Arthur Machen. - Os verdadeiros pecadores, da mesma forma que os verdadeiros santos, são ascetas. O verdadeiro Mal, assim como o verdadeiro Bem, nada tem a ver com o mundo vulgar. - O que é pecado é conquistar o céu de assalto. - O verdadeiro Mal torna-se cada vez mais raro. - O materialismo, inimigo do Bem e ainda mais do Mal. - Apesar de tudo, existe hoje qualquer coisa.
-Se estais realmente interessados. . .
Ambrose disse: A feitiçaria e a santidade, eis as únicas realidades.
E prosseguiu: A magia justifica-se através dos seus filhos; eles comem côdeas de pão e bebem água com uma alegria muito mais intensa do que o epicúrio.
Imagem: submarino.com.br

Sem comentários:

Enviar um comentário