segunda-feira, 17 de março de 2014

O Mundo das Teorias de Conspiração


por Roger Sandell, publicado em Magonia n.5 em 1980
 Como a ufologia, a idéia de que o mundo contemporâneo é controlado por organizações conspiratórias vastas e secretas, é uma que é primariamente difundida por grupos e indivíduos obscuros através de jornais caseiros duplicados ou impressos de forma barata. A um outsider as idéias avançadas como conspiração parecem realmente estranhas. Para considerar alguns exemplos:
Gary Allen, o comentarista chefe da sociedade John Birch, acredita que a URSS é secretamente controlada pela família Rockefeller [1];
Carl Oglesby, ex-presidente do novo grupo de esquerda americano Estudantes para uma Sociedade Democrática, afirma que os  assassinatos políticos dos anos sessenta e a crise de Watergate fizeram parte de uma luta gigantesca pelo controle do E.U.A. entre os banqueiros de Nova Iorque e os petroleiros do Texas [2];
Nesta H. Webster, a escritora dos anos 20 que originou muito das teorias de conspiração modernas, alegou que movimentos revolucionários modernos são manipulados por uma conspiração oculta de séculos de idade que se origina com os medievais Cavaleiros Templários e a Ordem dos Assassinos [3];
Walter Bowart, um jornalista americano, acredita que a CIA controla os E.U.A. por meio de um exército secreto de agentes zumbi que foram submetidos operações de controle da mente [4];
O autor anônimo de The Gemstone File, uma alegada história secreta da América moderna distribuída por livrarias underground aqui e nos E.U.A., alega que a guerra de Vietnã foi lutada para preservar o monopólio do mercado mundial de heroína por Aristóteles Onassis [5].
Claramente, as idéias dos teoristas de conspiração mantêm pouca relação com as  idéias geralmente aceitas de eventos mundiais. Algumas delas parecem tão absurdas a ponto de lançar dúvida sobre a sanidade de seus defensores. Porém, a tradição conspiracionista não é simplesmente o produto de paranóides isolados, mas tem uma longa história política.
A história das teorias de conspiração começa na década de 1790. A Revolução francesa, por causa de sua natureza totalmente sem precedente, teve um impacto difícil de conceber hoje. De repente, por toda parte na Europa toda estrutura da sociedade parecia ameaçada e idéias existentes pareciam inadequadas para explicar o que tinha acontecido. Na Inglaterra os resultados incluíram repressão oficial e um crescimento súbito de cultos baseados nas passagens apocalípticas da Bíblia. [6]
Outro resultado foi o aparecimento em 1797 de livros intitulados Memoires pour Servir a l'Histoire du Jacobinisme por Augustin du Barruel, um padre francês, e Provas de uma Conspiração Contra todas as Religiões e Governos, por John Robison, matemático escocês. Os dois livros ofereceram uma explicação simples para a Revolução Francesa: a monarquia francesa caiu como resultado de uma conspiração nutrida pelos Maçons e sociedades secretas semelhantes. Tanto Barruel quanto Robinson se focaram em um nome particular - Illuminati. [7]
Este grupo era uma sociedade secreta fundada na Baviera em 1776 por Adam Weishaupt (à esquerda), professor universitário. Seu objetivo era disseminar as doutrinas do Iluminismo do século XVIII de igualdade humana e racionalidade, e atraiu um grupo de seguidores considerável, até que foi suprimido pelas autoridades Bávaras em 1785. Porém, de acordo com Barruel e Robison os illuminati não tinham deixado de existir em 1785 mas tinham ido simplesmente para a clandestinidade. Os líderes da Revolução francesa eram Maçons e Illuminati, ou os agentes deles e seguidores, levando a cabo um plano secreto para subverter as monarquias de Europa e a religião Cristã.
Qual era a verdade por trás destas idéias? A maçonaria moderna tinha se originado na Inglaterra em princípios do século 18, e de lá tinha se espalhado para a Europa. Na Inglaterra e França seu juramento e regulamentos ordenavam lealdade para a igreja e estado, e sua sociedade incluiu os membros das Famílias Reais tanto da Inglaterra quanto da França, como também clero protestante e católico. É possível encontrar evidência de atividade política dos Lodges do século 18, mas isto é localizado e certamente não é evidência de uma conspiração radical. (Na realidade a Maçonaria inicial inglesa e francesa parecem ter sido influenciadas pelos Jacobitas, partidários do católico exilado Stuart pretendente ao trono britânico.)
Os primeiros estágios da Revolução francesa foram acompanhados por esperanças de um espírito novo de cooperação entre as classes sociais, e alguns maçons saudaram este espírito como uma vindicação dos ideais maçônicos de fraternidade humana. Porém, à medida que a Revolução progrediu suas vítimas incluíram Maçons proeminentes, e a destruição da aristocracia francesa levou a atividade maçônica na França a uma virtual parada.
Apesar destes fatos as idéias de Robison e Barruel ganharam uma boa quantidade de seguidores. Alguns escritores as distorceram em versões até mais estranhas. Um folheto da década de 1790 alegou que os Maçons eram os descendentes dos medievais Cavaleiros Templários, e que a Revolução francesa era uma vingança dos Templários pela perseguição da monarquia francesa, quatrocentos anos antes.
A Revolução foi seguida pelas Guerras Napoleônicas, e a queda de Napoleão foi seguida pela restauração de regimes reacionários pela Europa. Neste clima de repressão, os radicais em vários países escolheram se organizar em grupos com senhas, rituais de iniciação e reuniões secretas. Na Itália da década de 1820 o ideal de unidade italiana foi nutrido pelos Carbonari ou Queimadores de Carvão, uma sociedade secreta que como a Maçonaria fez alegações grandiosas de grande antiguidade. Na Rússia e Irlanda do século XIX sociedades secretas se tornaram focos para atividades antigovernamentais. Até mesmo na Inglaterra os primeiros sindicatos praticaram juramentos e iniciações parecidos com os Maçônicos.
Como resultado o espectro de conspiração internacional continuou assombrando os defensores da ordem estabelecida. Em 1820 Count Metternich, o estadista austríaco, pediu por uma conferência internacional para discutir meios de combater as sociedades secretas. Em 1852 Disraeli, o futuro Primeiro-ministro, podia escrever da antiguidade e malevolência das sociedades nestas palavras:
"A origem das sociedades secretas que prevalecem na Europa é muito remota. É provável que elas sejam originalmente confederações de raças conquistadas organizadas em grande medida pelas hierarquias abrogadas... as duas características destas confederações que agora cobrem a Europa como uma rede, são guerra contra a propriedade e um ódio da revelação Semítica [i.e. Cristianismo]. Estes são os legados dos fundadores delas; uma propriedade perdida e os criados de altares que foram subvertidos."         Taxil  descreveu o aparecimento de Satanás em rituais maçônicos - aparentemente ele tomou a forma de um crocodilo e tocou piano - e os laboratórios secretos sob Gibraltar onde demônios fabricavam germes de pestilência para devastar a Europa católica
Na segunda metade do século XIX um novo elemento sinistro estava entrando no mundo dos teoristas de conspiração. Um romance alemão de 1868, Biarritz por Herman Goedesche, descreve como os heróis se escondem no cemitério judeu em Praga, e testemunham uma reunião secreta entre o diabo e os Anciões das doze tribos Judias. Na reunião aqueles presentes descrevem como os judeus devem usar seu dinheiro e influência para se tornar governantes do mundo. (Como nós veremos, este não é de forma alguma o último exemplo de um escritor de thriller se servindo de teorias de conspiração para seus enredos.) [8]
Na metade do século XIX os judeus - não-Cristãos, urbanos e recém-liberados de limitações cívicas - estavam em vários países começando a ser vistos como o inimigo principal pelas forças de reação e clericalismo baseadas no campo. Como Biarritz mostra, este anti-semitismo combinou as idéias medievais do judeu como aliado de Satanás com a idéia da malvada sociedade secreta que manipula eventos políticos. Porém, tais idéias não eram exclusivas de péssimos novelistas. Já em 1893 era possível para o Arcebispo católico romano de Maurício terminar uma denúncia da Maçonaria afirmando que os Maçons eram simplesmente ferramentas dos judeus, e em suas palavras finais ele horrivelmente se antecipa a Hitler: "Não esperem, ó judeus, poder escapar da calamidade que os ameaça... nós não desejamos ser os escravos dos judeus... nós esqueceremos de nossas diferenças políticas para permanecermos firmes contra os inimigos de Deus. A Vitória é certa."
Ao mesmo tempo na França as fraudes grotescas de Leo Taxil acharam uma audiência pronta entre o clero. Taxil, que alegou ser um desertor maçônico descreveu o aparecimento pessoal de Satanás em rituais maçônicos - aparentemente ele tomou a forma de um crocodilo e tocou piano - e os laboratórios secretos sob Gibraltar onde demônios fabricavam germes de pestilência para devastar a Europa católica. Taxil mostrou ser um anticlericista que inventou suas estórias para expor a credulidade de seus oponentes.
Foi na Rússia Czarista que o anti-semitismo moderno alcançou sua forma definitiva. O fracasso da revolta de 1905 foi seguido por pogrons oficialmente encorajados e propaganda anti-semítica, notavelmente um documento intitulado Os Protocolos dos Anciões de Sião. De acordo com seu editor Sergei Nilus, um proprietário de terras que se tornou um maníaco religioso depois de perder sua fortuna, este livro consistia nas minutas secretas de uma reunião de líderes judeus para planejar a dominação mundial. O plano envolvia o encorajamento do vício e ateísmo para despolarizar a Europa e o uso de movimentos revolucionários e manipulação financeira para provocar o colapso final de governos nacionais e a substituição deles por um império mundial judeu. Este trabalho, em realidade uma falsificação elaborada pela polícia secreta russa, foi tomado seriamente pelo próprio Czar e logo se tornou um texto preferido da extrema-direita russa. Como veremos, posteriormente exerceria uma influência malévola muito além da Rússia.
Embora a Rússia fosse singular na Europa pré-1914 ao ponto do anti-semitismo e crença em conspirações receberem sanção oficial, as mesmas idéias eram prevalecentes em muitos outros lugares. Enquanto o caso Dreyfus abalou a virada do século na França, os direitistas proclamaram que a crise era o trabalho do 'Sindicato', uma força sinistra vista como uma aliança de judeus, Maçons, radicais e agentes alemães. [7]
Na Inglaterra o começo do século XX foi um período de crise social. Tensão internacional em escalada e a revolta dos trabalhadores, mulheres e a Irlanda desafiaram a estrutura da sociedade. Um resultado disto (esboçado em outros artigos em MUFOB e Magonia) foi a eclosão de pânicos centrados em espiões, invasões estrangeiras e aeróstatos misteriosos. Outro foi a popularidade aumentada de idéias anti-semíticas e conspiratórias. Um thriller extremamente popular deste período, When it was Dark por Guy Thorne, descreve o plano de um milionário judeu para destruir o Cristianismo fabricando dados arqueológicos fraudulentos sobre a vida de Jesus. [10] O romance histórico de Rudyard Kipling para crianças, Puck of Pook's Hill inclui uma cena na qual os credores judeus da Europa medieval se encontram para planejar o destino do continente. Até mesmo propaganda radical contra a Guerra Bôer desenvolveu tons anti-semitas em alguns casos descrevendo a guerra como o trabalho de financistas judeus.
Os anos de 1914 a 1920 viram guerra mundial seguida por revolução e inquietação pela Europa. À medida que a velha ordem se esfacelava seus defensores, como as vítimas da Revolução francesa, procuraram nas teorias de conspiração por uma explicação do que estava acontecendo. Foram distribuídas cópias dos Protocolos dos Anciões de Sião a soldados do exército Czarista na Guerra Civil russa. O Marechal-de-campo Ludendorf, o senhor de guerra do Kaiser, culpou o colapso da Alemanha como uma conspiração de judeus, Maçons e Jesuítas.
A Inglaterra não estava de forma alguma imune a estas atitudes; jornais freqüentemente expressaram suspeitas relativas à 'Mão Oculta' que supostamente estava sabotando o esforço de guerra. Quando a Revolução russa chegou, um relatório de Escritório Estrangeiro oficial incluiu observações de que os bolcheviques eram 'Judeus Internacionais'. Até que ponto estas convicções foram aceitas pode ser visto no primeiro capítulo do thriller famoso de John Buchan The Thirty-Nine Steps. Coronel Scudder, agente secreto, explica que por trás de toda companhia principal na Europa há um "judeu em uma cadeira de rodas com uma face parecida com o de uma cascavel", e que a causa da Primeira Guerra Mundial é que "o judeu tem a faca dele no Império russo".
Um dos principais disseminadores de teorias de conspiração por esta época, e uma grande influência em teorias posteriores foi Nesta H. Webster (à direita), autora de World Revolution; the Plot Against Civilisation e Secret Societies and Subversive Movements, publicados nos anos vinte. Nestes livros são reunidos os temas de teorias de conspiração prévias em uma síntese extraordinária. A última origem dos movimentos revolucionários do século vinte é declarada como uma seita medieval de muçulmanos fanáticos conhecida como a Ordem de Assassinos. Os Assassinos tiveram sucesso em subverter os Cavaleiros cruzados Templários que levaram suas idéias para a Europa onde eles formaram a base da Maçonaria. Os Maçons e os Illuminati de Weishaupt tinham conduzido as revoluções francesa e bolchevique. Os socialistas, o IRA e outros movimentos radicais eram controlados pelos mesmos conspiradores Satânicos, junto com os mais recentes aliados deles os Sionistas e o Grupo de Generais alemão.
É uma indicação adicional do clima mental do período que a senhora Webster foi convidada a palestrar para grupos de oficiais do exército em mais de uma ocasião, e que em 1920 um MP principal que escrevia sobre o Bolchevismo podia alegar que: "Esta conspiração contra a civilização [data] dos dias de Weishaupt... como a historiadora moderna a senhora Webster tem mostrado tão habilmente, ela desempenhou um papel reconhecível na Revolução francesa." [11] O autor dessas palavras foi Winston Churchill.
Como o Exército Vermelho emergiu vitorioso da Guerra civil russa, os emigrados Czaristas se espalharam a muitos países. Alguns deles formaram focos para a distribuição de propaganda anti-semítica. Os esforços deles caíram em terreno receptivo. Nos EUA, Henry Ford ficou impressionado o suficiente para contratar um time de detetives para tentar localizar os Anciões de Sião. Na Inglaterra os Protocolos foram tomados seriamente pela maioria das seções respeitadas da imprensa. Em 1920 The Times editorialisou: "Será que nós, esforçando cada fibra de nosso corpo nacional, escapamos de uma Pax Germanicus apenas para entrar em uma Pax Judaica? Os Anciões de Sião, como representados nos seus Protocolos, não são de forma alguma mestres mais amáveis que William II e seus capangas". (É justo atentar que nos anos seguintes o Times publicou uma série de artigos expondo a natureza fraudulenta dos Protocolos.)
Na Alemanha a publicação deles deu um impulso considerável ao embrionário partido Nazista. Os resultados do anti-semitismo na Alemanha significaram que o tipo de idéias tratadas neste artigo acabaram se tornando reservados em grande parte a grupos abertamente nazistas, como a Frente Nacional na Inglaterra [12]. Porém os últimos anos parecem ter visto um revival de teorias de conspiração. Uma fonte disto parece ter sido o conflito entre os tradicionalistas e liberais na igreja católica romana. Os oponentes da reforma na igreja têm em alguns países como a França disseminado propaganda anti-maçônica e anti-semítica do tipo do século XIX, e alegam que os Maçons dominaram a Igreja.
Porém a fonte principal de teorias de conspiração modernas é os EUA. Isto é dificilmente surpreendente. Os assassinatos políticos dos anos 60 deixaram muitas perguntas sem resposta; o escândalo de Watergate revelou uma rede de conspiração criminal que se estende até a Casa Branca, e foi seguido por revelações sobre a CIA relativas ao uso de drogas ilegais, planos de assassinato e negócios com gângsteres que pareciam tão fantásticas quanto as idéias mais estranhas das teorias de conspiração. Jimmy Carter, cuja eleição tinha parecido prometer uma quebra deste mundo dos criminosos políticos, mostrou ser um membro da Comissão Trilateral, um clube semi-secreto de políticos e homens ricos, patrocinado pelos Rockefellers. [13]
Muitos grupos diferentes responderam a estes eventos com interpretações conspiratórias. A Sociedade John Birch, que já foi uma organização puramente de extremo anticomunismo, descobriu os trabalhos de Nesta Webster e os teoristas de conspiração anteriores como Barruel e Robison. A Sociedade proclama agora que o Comunismo é uma criação de banqueiros internacionais, e a Comissão Trilateral seria a mais recente face dos Illuminati. Na Esquerda alguns escritores abandonaram idéias socialistas tradicionais de como a sociedade funciona em favor de uma análise da sociedade americana que a vê controlada por agências de inteligência e super-capitalistas. [14] Illuminatus de Robert Alton Wilson, um estranho romance de ficção científica que incorpora histórias de conspiração de esquerda e direita se tornou um best-seller.
Tal é o mundo das teorias de conspiração; um mundo que como nós veremos na segunda parte deste estudo, tem várias ligações surpreendentes com a ufologia.

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