quinta-feira, 24 de março de 2011

O Despertar dos Mágicos (34). Catálogo da Companhia dos Contadores Eletrônicos na algibeira


- Com certeza. O computador eletrônico tipo 5 pode fazer, segundo diz o catálogo, todas as operações matemáticas até 10 decimais. No entanto, o que me interessa são letras, não números. Pedir-lhe-ei portanto que modifique o circuito de saída de forma que imprima letras em vez de colunas de números.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

- Não compreendo muito bem. . .
-Desde que a nossa instituição foi fundada, há mais de três séculos, que nos consagramos a um determinado trabalho. É um trabalho que pode parecer-lhe estranho e peço-lhe que me escute com a maior largueza de espírito.
De acordo.
É simples. Tentamos organizar a lista de todos os nomes possíveis de Deus.
Perdão?

O lama continuou imperturbavelmente:
-Temos excelentes motivos para crer que todos esses nomes incluem quando muito nove letras do nosso alfabeto.
-E ocuparam-se disso durante três séculos?
- Sim. Tínhamos calculado que precisaríamos de quinze mil anos para terminar o trabalho.
O doutor deu um assobio de vencido, e disse um pouco atordoado:
- O.K., agora compreendo porque deseja alugar uma das nossas máquinas. Mas qual é o objetivo da operação?
Durante uma fração de segundo o lama hesitou e Wagner receou ter ofendido aquele estranho cliente que acabava de fazer a viagem Lassa-Nova Iorque com uma régua de calcular e o Catálogo da Companhia dos Contadores Eletrônicos na algibeira da sua túnica cor de açafrão.
-Chame a isto um ritual, se quiser - disse o lama -, mas é uma das bases fundamentais da nossa religião. Os nomes do Ser Supremo, como seja Deus, Júpiter, Jeová, Alá, etc., não passam de etiquetas feitas pelos homens. Certas considerações filosóficas, demasiado complexas para que as possa expor agora, deram-nos a certeza de que, entre todas as permutas e possíveis combinações das letras, se encontram os verdadeiros nomes de Deus. Ora o nosso objetivo é descobri-los e escrevê-los todos.
- Já compreendo: Começaram por A.A.A.A.A.A.A.A.A., e acabarão por chegar a Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.Z.
Simplesmente utilizamos o nosso alfabeto. Evidentemente que lhe há-de ser fácil modificar a máquina de escrever elétrica, de forma que ela utilize o nosso alfabeto. Mas um problema mais importante será o de preparar os circuitos especiais de forma que eliminem antecipadamente as combinações inúteis. Por exemplo, nenhuma das letras deve aparecer mais de três vezes sucessivamente.
Três? Quer dizer duas.
Não. Três. Mas a explicação completa exigiria imenso tempo, mesmo se o senhor compreendesse a nossa língua. Wagner disse precipitadamente:
Claro, claro. Siga, por favor.
Ser-lhe-á fácil adaptar o computador automático em função deste objetivo. Com um plano bem elaborado, uma máquina desse gênero pode trocar as letras umas a seguir às outras e imprimir um resultado. Desta forma, concluiu calmamente o lama, aquilo que nos levaria ainda quinze milênios estará terminado em cem dias.

O doutor Wagner sentia que ia perdendo o sentido das realidades. Através das janelas do edifício, os ruídos e as luzes de Nova Iorque perdiam a intensidade. Sentia-se transportado a um mundo diferente. Lá longe, no seu longínquo asilo montanhoso, geração após geração, os monges tibetanos há trezentos anos que elaboravam a sua lista de nomes desprovidos de sentido... Não havia então limite para a loucura dos homens? Mas o doutor Wagner não devia deixar transparecer os seus pensamentos.
O cliente tem sempre razão...
E respondeu:

- Não duvido de que possamos modificar a máquina tipo 5, de forma a imprimir listas desse gênero. A instalação e a conservação é que mais me inquietam. Aliás, não será fácil enviá-la para o Tibet.
- Nós trataremos disso. As peças separadas têm dimensões suficientemente pequenas para serem transportadas por avião. De resto, foi esse o motivo por que escolhemos amáquina. Enviem as peças para a Índia, que nós nos encarregaremos do resto.

- Deseja contratar dois dos nossos engenheiros?
- Sim, para montarem e vigiarem a máquina durante cem dias.
- Vou mandar instruções à direção do pessoal - disse Wagner enquanto escrevia no bloco de notas. - Mas restam duas questões a resolver. .

Antes que tivesse podido terminar a frase, o lama tirou do bolso uma delgada folha de papel:
- Esta é a posição certificada da minha conta no Banco Asiático.
-Muito obrigado. Está muito bem... Mas, se me permite, a segunda questão é de tal maneira elementar que hesito em mencioná-la. Acontece muitas vezes esquecermos qualquer coisa evidente. . . Têm uma fonte de energia elétrica?
- Temos um gerador Diesel elétrico de 50 KW de potência 100 volts. Foi instalado há cinco anos e funciona bem. Facilita-nos a vida no convento. Compramo-lo sobretudo para acionar os moinhos de orações.
-Ah, sim, evidentemente, eu devia ter pensado nisso...
Do parapeito a vista era vertiginosa, mas habituamo-nos a tudo.
Tinham decorrido três meses e Jorge Hanley já não se impressionava com os seiscentos metros em vertical que separavam o mosteiro do quadriculado dos campos na planície.
Apoiado sobre pedras que o vento arredondara, o engenheiro contemplava com olhar triste as montanhas longínquas de que ignorava o nome. A operação nome de Deus, como a batizara um humorista da Companhia, era sem dúvida a pior tarefa de louco em que jamais participara.
Semana após semana, a máquina tipo 5, modificada, cobrira milhares de folhas de uma incrível algaravia. Paciente e inexorável, o computador reunira as letras do alfabeto tibetano em todas as combinações possíveis, esgotando série após série. Os monges recortavam certas palavras à saída da máquina de escrever elétrica e colavam-nas com devoção em enormes registros. Dentro de uma semana acabariam.
Hanley ignorava quais seriam os obscuros cálculos que os tinham feito chegar à conclusão de que não deviam estudar conjuntos de dez, vinte, cem, mil letras, e nem pretendia sabê-lo. Nos seus pesadelos sonhava por vezes que o grande lama decidira bruscamente complicar um pouco mais a operação e que o trabalho continuaria até ao ano 2060. Aliás, aquele estranho homenzinho parecia perfeitamente capaz de o fazer. A pesada porta de madeira soou. Chuk vinha ter com ele ao terraço. Chuk fumava, como de costume, um charuto: tornara-se popular entre os lamas distribuindo-lhes havanos. Aqueles tipos seriam completamente chalados - pensou Hanley -, mas não
eram puritanos. As freqüentes expedições à aldeia não tinham sido desprovidas de interesse. . .
Ouve, Jorge - disse Chuk -, vamos ter aborrecimentos.
A máquina escangalhou-se?

-Não.
Chuk sentou-se sobre o parapeito. Era espantoso, pois habitualmente receava ter vertigens:
Acabo de descobrir o objetivo da operação.
Mas já o sabíamos!
Sabíamos o que os monges queriam fazer, mas não sabíamos porquê.
Bah!, são uns loucos...
Escuta, Jorge, o velho acaba de me explicar. Eles crêem que assim que tenham escrito todos aqueles nomes (e segundo pensam são cerca de nove bilhões), o objetivo divino será atingido. A raça humana terá realizado a tarefa para que foi criada.
Então e depois? Esperam que nos suicidemos?

-Inútil. Quando a lista estiver terminada, Deus intervirá e será o fim.
Quando terminarmos, será então o fim do Mundo? Chuk teve um risinho nervoso:
Foi o que eu disse ao velho. Ele olhou-me de uma forma estranha, como um professor olha para um aluno particularmente estúpido, e disse-me: Oh, não será assim tão insignificante!... Jorge refletiu um instante.
É um tipo que visivelmente tem idéias largas, mas, mesmo assim, que importância tem isso? Nós já sabíamos que eram uns loucos.
Sim. Mas não vês o que pode acontecer? Se a lista fica pronta e se as trombetas do anjo Gabriel, versão tibetana, não tocam, eles podem decidir que é por nossa culpa. No fim de contas, era a nossa máquina que eles utilizavam. Não gosto disto. . .

Imagem: oquedernagana.blogspot.com

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