quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (7). Nasceram diversas doutrinas, em particular a mecânica ondulatória.


A marquesa tomou o seu chá às cinco horas Valéry dizia mais ou menos que não se pode escrever semelhantes coisas quando já se entrou no mundo das idéias, mil vezes mais importante, romanesco, mil vezes mais real do que o mundo do amor e dos sentidos.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

António amava Maria que amava Paulo eles foram muito infelizes e tiveram uma série de questiúnculas. Uma literatura de amebas e de infusórios, quando o pensamento arrasta tragédias e dramas gigantescos, transmuda seres, altera civilizações, mobiliza multidões imensas. Sonolentos prazeres, deleitação burguesa! Nós os adeptos da consciência alerta, trabalhadores da terra, sabemos onde se encontram a insignificância, a decadência, o divertimento corrupto...
O final do século XIX marca o apogeu do teatro e do romance burguês, e a geração literária de 1885 reconhecerá durante algum tempo como mestres Anatole France e Paul Bourget. Ora, nessa mesma época há um drama, no domínio do conhecimento puro, muito maior e palpitante do que entre os heróis do Divorce ou do Lys Rouge. Produz-se uma súbita embriagues no diálogo entre materialismo e espiritualismo, ciência e religião. Do lado dos sábios, herdeiros do positivismo de Taine e Renan, formidáveis descobertas farão desmoronar as muralhas da incredibilidade. Apenas se acreditava nas realidades devidamente estabelecidas: bruscamente, é o irreal que se torna possível. Observai os fatos como se se tratasse de uma intriga romanesca, com mudança repentina de personagens, intervenção dos traidores, paixões contrariadas, debate entre ilusões. O princípio da conservação da energia era algo de sólido, de fixo, de marmóreo.
E eis que o rádio produz energia sem a ir buscar a qualquer fonte. Havia certezas a respeito da identidade da luz e da eletricidade: só se podiam propagar em linha reta e sem atravessar obstáculos. E eis que as ondas, os raios X atravessam os sólidos. Nos tubos de descarga, a matéria parece eclipsar-se, transformar-se em corpúsculos. A transmutação dos elementos opera-se na natureza: o rádio torna-se hélio e chumbo.
Eis que a Época das Certezas se desmorona. O mundo já não brinca ao jogo da razão! Tudo se torna então possível? De chofre, aqueles que sabem, ou julgam saber, cessam de fazer a divisão entre física e metafísica, coisa verificada e coisa sonhada. Os pilares do Templo fazem-se em nevoeiro, os clérigos de Descartes deliram. Se o princípio de conservação da energia é falso, que impediria o médium de fabricar um ectoplasma a partir de zero? Se as ondas magnéticas atravessam a terra, por que motivo não poderá um pensamento viajar?
Se todos os corpos emitem forças invisíveis, porque não um corpo astral? Se há uma quarta dimensão, será ela o domínio dos espíritos? Madame Curie, Crookes, Lodge fazem mexer as mesas.
Edison tenta construir um aparelho que comunique com os mortos. Marconi, em 1901, julga ter captado mensagens dos Marcianos. Simon Newcomb acha absolutamente natural que um médium materialize crustáceos frescos do Pacífico. Uma tempestade de fantástico irreal deita por terra os investigadores de realidades.
Mas os puros, os irredutíveis, tentam repelir essa corrente. A velha guarda do positivismo insurge-se. E, em nome da Verdade, em nome da Realidade, recusa tudo: os raios X e os ectoplasmas, os átomos e o espírito dos mortos, o quarto estado da matéria e os Marcianos.
Assim, entre o fantástico e a realidade vai desenrolar-se um combate muitas vezes absurdo, cego, desordenado, que em breve se fará sentir em todas as formas do pensamento, em todos os domínios: literário, social, filosófico, moral, estético. Mas é na ciência física que a ordem se estabelecerá, não por regressão ou amputações, mas por excesso. É na física que surge uma nova concepção. Devemo-la ao esforço de titãs como Longevin, Perrin, Einstein. Uma nova ciência aparece, menos dogmática que a antiga. Abrem-se portas sobre uma realidade diferente. Como em todo o grande romance, não há no fundo nem bons nem maus e todos os heróis têm razão se a atenção do romancista se tiver colocado numa dimensão complementar onde os destinos se tornam a encontrar, confundindo-se, elevados em conjunto a um grau superior.
Onde estamos nós atualmente? Abriram-se portas em quase todos os edifícios científicos, mas o edifício da física de hoje em diante quase que não tem paredes: é uma catedral cheia de vitrais onde se refletem os clarões de outro mundo, infinitamente próximo.
A matéria revelou-se tão rica, se não mais rica em possibilidades do que o espírito. Ela contém uma energia incalculável, é susceptível de transformações infinitas, têm recursos insuspeitáveis. O termo materialista, segundo o significado do século XIX, perdeu todo o sentido, da mesma forma que o termo racionalista.
A lógica do bom senso já não existe. Na física atual, uma proposição pode ser simultaneamente verdadeira e falsa. A. B. já não é igual a B. A.. Uma entidade pode ser a um tempo contínua e descontínua. Já não nos poderíamos referir à física para condenar tal ou tal aspecto do possível.
Peguem numa folha de papel. Façam-lhe dois buracos pouco distanciados. Aos olhos do senso comum, é evidente que um objeto suficientemente pequeno para passar através desses buracos passará quer por um, quer por outro. Aos olhos do senso comum um elétron é um objeto. Possui um peso definido, produz um clarão luminoso quando impressiona um écran de televisão, um choque quando atinge um microfone. Temos portanto um dos sinais mais espantosos da abertura que se produz no domínio da física é a introdução daquilo a que se chama o número quântico de estranheza. Eis, por alto, de que se trata. No princípio do século XIX, pensava-se ingenuamente que dois números, o máximo três, seriam suficientes para definir uma partícula.
Esse número seria a sua massa, a sua carga elétrica e o seu momento magnético. A verdade estava longe de ser tão simples. Para descrever completamente uma partícula foi necessário acrescentar uma importância intraduzível em palavras e a que se chamava spin. A princípio julgou-se que essa importância correspondia a um período da rotação da partícula sobre si própria, qualquer coisa que para o planeta Terra corresponderia ao período de vinte e quatro horas, regulando a alternância dos dias e das noites. Chegou-se à conclusão de que nenhuma explicação simplista deste gênero poderia manter-se de pé.
Profundos trabalhos, devidos sobretudo ao Professor Louis de Broglie, só parcialmente conseguiram explicar o mistério do spin. Mas, bruscamente, descobriu-se que entre as três partículas conhecidas: prótons, elétrons, nêutrons (e as suas imagens no espelho, antipróton negativo, positron, antineutron), existia mais uma trintena de outras partículas. Os raios cósmicos, esses grandes aceleradores, produziam-nas em grandes quantidades. Ora, para descrever essas partículas, os quatro números habituais, massa, carga, momento magnético, spin, já não eram suficientes.
Era necessário criar um quinto número, talvez um sexto, e assim indefinidamente. E foi de uma forma absolutamente natural que os físicos chamaram a essas novas importâncias números quânticos de estranheza. Esta saudação ao anjo do Bizarro tem qualquer coisa de imensamente poético. Como muitas outras expressões da física moderna: Luz Interdita, Algures Absoluto, o número quântico de estranheza prolonga-se para além da física, e tem ligações com as profundezas do espírito humano. o nosso objeto suficientemente pequeno para passar por um dos dois buracos. Ora, a observação pelo microscópio eletrônico ensinar-nos-á que o elétron passou simultaneamente pelos dois buracos. Como?! Se passou por um, não pode ter passadoao mesmo tempo pelo outro! Mas a verdade é que ele passou por um e por outro. É absurdo, mas é experimental.
Das tentativas de explicações nasceram diversas doutrinas, em particular a mecânica ondulatória. Mas a mecânica ondulatória não chega no entanto para explicar totalmente um fato semelhante, que se mantém para além das nossas possibilidades de compreensão, a qual só poderá funcionar através de um sim ou um não, A ou B. Era a própria estrutura do nosso entendimento que seria necessário modificar, para que sepudesse compreender. A nossa filosofia exige tese e antítese. É preciso acreditar que na filosofia do elétron, tese a antítese são simultaneamente autênticas. Parecerá absurdo o que dizemos? O elétron parece obedecer a leis, e a televisão, por exemplo, é uma realidade. O elétron existe ou não? Aquilo a que a natureza chama existir não tem existência a nossos olhos. O elétron faz parte do ser ou do nada 2? Eis uma pergunta completamente vazia de sentido. Assim desaparecem, devido à ação enérgica do conhecimento, os nossos habituais métodos de pensamento e as filosofias literárias, provenientes de uma visão nula dos fatos.
A Terra está ligada ao Universo, o homem não está em contacto apenas com o planeta em que habita. Os raios cósmicos, a radioastronomia, os trabalhos de física teórica revelam contactos com a realidade do cosmos. Já não vivemos num mundo fechado: um espírito verdadeiramente testemunha da sua época não o poderia ignorar.
Nessas condições, de que forma pode o pensamento, no plano social, por exemplo, continuar preocupado com problemas que nem sequer são planetários, mas estritamente regionais, provinciais? E como pode a nossa psicologia, tal como ela se exprime no romance, manter-se tão fechada, reduzida aos movimentos infraconscientes da sensualidade e da sentimentalidade? Enquanto milhares de seres civilizados abrem livros, vão ao cinema ou ao teatro para saber de que maneira Françoise se sentirá impressionada por René e como, por outro lado, odeia a amante do pai e se tornará lésbica por surda vingança, vários investigadores, que fazem com que os números entoem uma música celeste, perguntam a eles próprios se o espaço se contrai ou não em redor de um círculo.

Imagem: poetisasonhadora.blogs.sapo.pt

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