terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (6). Em 1898 produz-se a catástrofe: a experiência de Michelson e Morley destrói a hipótese do éter.


No pináculo definitivo desta evolução: o homem. Um conjunto mecânico e químico, dotado de uma ilusão: a consciência. Sob o efeito dessa ilusão, o homem inventara o espaço e o tempo: imagens do espírito.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Se se tivesse dito a um investigador oficial do século XIX que a física absorveria um dia o espaço e o tempo e estudaria experimentalmente a curvatura do espaço e a contração do tempo, ele chamaria a polícia. O espaço e o tempo não têm qualquer existência real. São divagações de matemático e temas de reflexão gratuita para filósofos. O homem não poderia ter qualquer relação com essas grandezas. A despeito dos trabalhos de Charcot, de Breuer, de Hyslop, a idéia de percepção extra-sensorial ou extratemporal deve ser rejeitada com desprezo. Não há incógnitas no Universo, não há incógnitas no homem. Sábio meu filho, tem juízo!
Era completamente inútil tentar uma exploração do mundo interior, mas no entanto havia um fato que criava certas dificuldades na engrenagem da simplificação: falava-se muito em hipnose.
O ingênuo Flammarion, o duvidoso Edgar Poe, o suspeito H. G. Wells interessavam-se pelo fenômeno. Ora, por muito fantástico que isto possa parecer, o século XIX oficial demonstrou que a hipnose não existia. O paciente tem tendência para mentir, para simular a fim de agradar ao hipnotizador. É exato. Mas, desde Freud e Morton Price, sabe-se que a personalidade pode ser dividida. A partir de críticas exatas, esse século conseguiu Criar uma mitologia negativa, eliminando o menor traço de incógnita no homem, rejeitando qualquer suspeita de mistério.
A biologia também estava completa. O Sr. Claude Bernard esgotara-lhe as possibilidades e concluíra-se que o cérebro segrega o pensamento, como o fígado segrega a bílis. Sem dúvida, acabaria por ser possível revelar essa secreção e escrever-lhe a fórmula química de acordo com as belas disposições em hexágonos imortalizadas pelo Sr. Berthelot. Quando se soubesse de que forma os hexágonos de carbono se associam para criar o espírito, estaria virada a última página. Que nos deixem trabalhar seriamente! Os doidos que vão para o manicômio! Numa bela manhã de 1898, um senhor grave deu ordem à governanta para não mais permitir que seus filhos lessem Julio Verne. Aquelas idéias falsas deformariam os jovens espíritos. O senhor grave chamava-se Édouard Branly. Acabava de tomar a decisão de renunciar às suas experiências sem interesse sobre as ondas para se transformar em médico de bairro.
O sábio deve abdicar. Mas deve igualmente reduzir a pó os aventureiros quer dizer, as pessoas que pensam, imaginam, sonham. Berthelot ataca os filósofos que lutam contra o seu próprio fantasma na arena solitária da lógica abstrata (eis uma boa descrição de Einstein, por exemplo). E Claude Bernard declara: Um homem que descobre o mais pequeno fato presta maiores serviços do que o maior filósofo do Mundo. A ciência não podia ser senão experimental. Fora dela não havia esperança.
Fechemos as portas. Jamais alguém poderá igualar os gigantes que inventaram a máquina a vapor.
Neste Universo organizado, compreensível, e aliás condenado, o homem devia manter-¬se no seu devido lugar de epifenômeno. Fora a utopia e fora a esperança. O combustível fóssil esgotar-se-á dentro de alguns séculos, e então será o fim, devido ao frio e à fome. Jamais o homem voará, jamais ele viajará pelo espaço. Jamais também visitará o fundo dos mares. Estranha proibição essa da visita aos abismos marinhos! Nada impedia o século XIX, em relação ao estado da técnica, de construir o batis cafo do professor Piccard. Apenas uma enorme timidez, apenas a preocupação, para o homem, de se manter no seu lugar. Turpin, que inventou a melinite, foi imediatamente internado num manicômio. Os inventores dos motores de explosão sentem-se desencorajados e tenta-se provar que as máquinas elétricas não passam de formas do movimento perpétuo. É a época dos grandes inventores isolados, revoltados, escondidos. Hertz escreve à Câmara do Comércio de Dresde dizendo que é necessário desencorajar as pesquisas relativas às ondas hertzianas: não é possível a menor aplicação prática. Os peritos de Napoleão III provam que o dínamo Gramme nunca girará. Quanto aos primeiros automóveis, ao submarino, ao dirigível, à luz elétrica (uma aldrabice desse maldito Edison!), as doutas academias não se incomodam. A esse respeito há uma na imortal. É o relato da recepção do fonógrafo na Academia Ciências de Paris: Assim que o aparelho emitiu algumas palavras, o Secretário Perpétuo precipita-se sobre o impostor e aperta-lhe a garganta com pulso de ferro.
-Vocês vão ver! disse aos seus colegas. Mas, perante o assombro geral, o aparelho continuou a emitir sons.
Equipam-se em segredo para preparar a mais formidável revolução dos conhecimentos que o homem histórico presenciou. Mas, de momento, todos os caminhos estão vedados.
Vedados à frente e atrás. Ocultam-se os fósseis de seres pré-humanos que se começam a descobrir em quantidade. Não provou o grande Heinrich Helmholtz que o Sol extrai energia da própria contração, isto é, da única força, juntamente com combustão, que existe no Universo? E não demonstram os seus séculos que nos separam do nascimento do Sol, quanto muito, a centena de milhares de anos? Como teria podido produzir-se uma longa evolução? E, aliás, quem descobrirá jamais a forma de datar o passado do mundo? Neste curto espaço entre dois nadas, nós, os epifenômenos, mantenhamo-nos graves. Fatos apenas fatos!
Dado que a pesquisa sobre a matéria e a energia não é de forma nenhuma encorajada,os mais curiosos atiram-se para um beco sem saída: o éter. É o meio penetrando toda a matéria e servindo de suporte às ondas luminosas e eletromagnéticas. ao mesmo tempo infinitamente sólido e infinitamente subtil. Rayleigh, que representa no final do século XIX a ciência oficial inglesa em todo o seu esplendor, elabora uma teoria sobre o éter giroscópico. Um éter composto por múltiplos íons girando em todos os sentidos e reagindo entre si. Aldous Huxley escreverá mais tarde que se uma obra humana pode dar a idéia da fealdade absoluta, a teoria de Lord Rayleigh é na especulação sobre o éter que estão comprometidas as inteligências disponíveis, no despontar do século XX.
Em 1898 produz-se a catástrofe: a experiência de Michelson e Morley destrói a hipótese do éter. Toda a obra de Henri Poincaré vai testemunhar esse desmoronamento. Poincaré, matemático de gênio, sentia sobre ele o enorme peso desse século XIX carcereiro e carrasco do fantástico. Teria descoberto a relatividade se o ousasse. Mas não ousou. La Valeur de la Science L, a Sczence et I Hypothèse são livros de desespero e demissão. Para ele, a hipótese científica. nunca é autêntica, não pode ser senão útil. É como uma estalagem espanhola: só se encontra aquilo que para lá se leva. Segundo Poincaré, se o Universo se contraísse um milhão de vezes, e nós com ele, não nos aperceberíamos de nada. Especulações inúteis, visto estarem separadas de toda a realidade sensível.
O argumento foi citado até ao princípio do nosso século como modelo de profundidade. Até ao dia em que um engenheiro prático observou que pelo menos o salsicheiro notá-lo-ia. Pois todos os presuntos cairiam ao chão. O peso de um presunto é proporcional ao seu volume, mas a força de um cordel apenas é proporcional à sua secção. Que o Universo se contraia apenas um milionésimo, e não haverá mais presuntos no teto! Pobre, grande e querido Poincaré! Era esse mestre do pensamento quem escrevia: O bom senso só por si é suficiente para nos dizer que a destruição de uma cidade por meio da desintegração de meio quilo de metal é uma impossibilidade evidente. Caráter limitado da estrutura física do Universo, inexistência dos átomos, fracos recursos da energia fundamental, incapacidade de uma fórmula matemática dar mais do que aquilo que contém, vacuidade da intuição, estreiteza e mecanicidade absoluta do mundo interior do homem: tal é o espírito nas ciências, e esse espírito estende-se a tudo, cria o clima no qual mergulha toda a inteligência desse século. Século inferior? Não. Grande mas estreito. Um anão que foi esticado.
Bruscamente, as portas cuidadosamente fechadas pelo século XIX sobre as infinitas possibilidades do homem, da matéria, da energia, do espaço e do tempo vão cair em estilhaços. As ciências e as técnicas darão um salto formidável, e a própria natureza do conhecimento vai ser novamente discutida. Mais do que um progresso: uma transmutação. Neste novo estado do mundo, a própria consciência deve mudar de estado. Atualmente, em todos os domínios, todas as formas da imaginação estão em movimento. Exceto nos domínios onde se desenrola a nossa vida histórica, obstruída, dolorosa, com a precariedade das coisas condenadas.
Um fosso imenso separa o homem da aventura da humanidade, as nossas sociedades da nossa civilização. Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós. Contemplamos a subida dos foguetões em direção ao céu, sentimos a terra vibrar devido a mil radiações novas, chupando o cachimbo de Thomas Graindorge. A nossa literatura, os nossos debates filosóficos, os nossos conflitos ideológicos, a nossa atitude perante a realidade, tudo isto dormita atrás das portas que acabam de ir pelos ares. Juventude! Juventude! Ide dizer a toda a gente que as entradas estão abertas e que o Exterior já penetrou!
A deleitação burguesa. - Um drama da inteligência ou a tempestade do irrealismo.
- perspectiva sobre outra realidade. - Para além da lógica e das filosofias literárias. A noção do eterno presente. - Ciência sem consciência: e consciência sem ciência? - A esperança.

Imagem: br.olhares.com

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