segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Despertar dos Mágicos (10). E que ele poderia tomar conhecimento de tudo o que se passa no Universo


Entre o seu poder e os poderes há um mal-entendido. Entre o que ele próprio arrisca e os riscos a que submete o mundo, só um incrível cobarde poderia hesitar.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Kourchatov quebra a ordem de silêncio e revela o que sabe aos físicos ingleses de Harwell. Pontecorvo foge para a Rússia, para aí prosseguir a sua obra. Oppenheimer entra em conflito com o seu governo. Os atomistas americanos tomam partido contra o exército e publicam o seu extraordinário Boletim: a capa reproduz um relógio cujos ponteiros caminham para a meia-noite cada vez que uma experiência ou uma descoberta temíveis caem nas mãos dos militares.
Eis o meu vaticínio para o futuro, escreve o biólogo inglês J. B. S. Haldane: aquilo que não foi será. E ninguém está protegido! A matéria liberta a sua energia e o caminho dos planetas abre-se. Semelhantes acontecimentos parecem sem paralelo na história. Vivemos um momento em que a história retém o fôlego, em que o presente se desliga do passado assim como o iceberg quebra os laços que o prendiam às falésias de gelo e desliza sobre o oceano sem limites. (Arthur Clarke: Les Enfants d'Icare (Gallimard).
Se o presente se desliga do passado, trata-se de uma ruptura, não com todos os passados, não com os passados que atingiram a maturidade, mas com o passado recém-nascido, quer dizer, com aquilo a que chamamos a civilização moderna. Esta civilização saída da efervescência das idéias na Europa Ocidental do século XVIII, que desabrochou no século XIX, que espalhou os seus frutos pelo mundo inteiro durante a primeira metade do século XX, está prestes a deixar-nos. Sentimo-lo a cada instante. Estamos na época da ruptura. Ora nos apresentamos como modernos atrasados, ora como contemporâneos do futuro. A nossa consciência e a nossa inteligência dizem-nos que são coisas completamente diferentes.
As idéias sobre as quais a civilização moderna assentou estão gastas. Neste período de ruptura, ou antes de transmutação, não nos devemos admirar muito se o papel da ciência e a missão do sábio sofrerem profundas alterações. Quais serão essas alterações? Uma visão oriunda de um passado longínquo pode permitir-nos esclarecer o futuro. Ou, mais precisamente, pode refrescar-nos a vista para a pesquisa de um novo ponto de partida.
Num dia de 1622, os parisienses descobriram sobre as paredes da sua cidade certos cartazes assim redigidos:
Nós, delegados da agremiação principal dos Irmãos da Rosa-Cruz, fazemos uma estada visível e invisível nesta cidade, pela graça do Altíssimo, em direção ao qual se dirige o coração dos Justos, a fim de libertar os homens, nossos semelhantes, do erro mortal.
O assunto foi considerado por muitos como uma brincadeira, mas, segundo o recorda Serge Hutin: Atribuía-se aos Irmãos Rosa-Cruzes os seguintes segredos: a transformação dos metais, o prolongamento da vida, o conhecimento do que se passa em locais afastados, a aplicação da ciência oculta para a descoberta dos objetos mais escondidos. Suprimi o termo oculto: encontrais-vos perante os poderes que a ciência moderna possui ou para os quais se encaminha.
Segundo a lenda há muito conhecida nessa época, a sociedade dos Rosa-Cruzes afirmava que o poder do homem sobre a natureza e sobre si próprio se tornaria infinito, que a imortalidade e o controlo de todas as forças naturais estavam ao seu alcance e que ele poderia tomar conhecimento de tudo o que se passa no Universo. Nada há de absurdo nisto e os progressos da ciência justificaram em parte tais sonhos. De forma que o apelo de 1622, em linguagem moderna, poderia ser colocado sobre as paredes de Paris ou aparecer num jornal diário, caso vários sábios se reunissem em congresso para informar os homens dos perigos que correm e da necessidade de empregar as suas atividades em novas perspectivas sociais e morais.
Uma patética declaração de Einstein, um discurso de Oppenheimer, um edital do Boletim dos atomistas americanos produzem exatamente o mesmo efeito do manifesto Rosa-Cruz. Vejamos mesmo um recente texto russo. A respeito da conferência sobre os radioisótopos, realizada em Paris em 1957, o escritor soviético Vladimir Orlov escrevia: os atuais alquimistas devem recordar-se dos estatutos dos seus predecessores da Idade Média, estatutos conservados numa biblioteca parisiense, e que proclamavam que não se podem consagrar a alquimia senão os homens de coração puro e intenções elevadas.
A idéia de uma sociedade internacional e secreta, reunindo homens intelectualmente muito avançados, transformados espiritualmente pela intensidade do seu saber, desejosos de proteger as suas descobertas científicas contra os poderes organizados, a curiosidade e a avidez dos outros homens, reservando-se o direito de utilizar as suas descobertas no momento oportuno, ou de as sepultar durante vários anos, ou de apenas pôr em circulação uma ínfima parte - tal idéia é simultaneamente muito antiga e ultramoderna.
Era inconcebível no século XIX ou mesmo apenas há vinte e cinco anos. Mas hoje é concebível. Num determinado plano, ouso afirmar que essa sociedade existe neste momento. Certos hóspedes de Princeton (recordo especialmente um sábio viajante oriental,) puderam ter consciência disso. Se nada prova que a sociedade secreta Rosa-Cruz existiu no século XVII, tudo nos leva a pensar que uma sociedade dessa natureza se constitui atualmente, pela força das circunstâncias, e que ela se inscreve logicamente no futuro. E ainda teremos de falar a respeito da noção de sociedade secreta. Essa mesma noção, tão longínqua, é esclarecida pelo presente.
Voltemos aos Rosa-Cruzes. Segundo nos diz o historiador Serge Hutin, eles constituem a coletividade dos seres elevados ao estado superior à humanidade vulgar, possuindo desta forma os mesmos caracteres interiores que lhes permitem reconhecer-se entre si.
Pelo menos quanto a nós, esta definição tem o mérito de pôr de lado o estilo ocultista. É que nós temos, em relação ao estado superior, uma idéia clara, quase científica, atual, otimista.
As nossas pesquisas chegaram a um ponto em que se prevê a possibilidade de transformações artificiais que aperfeiçoarão os seres vivos e o próprio homem. A radioatividade pode criar monstros, mas também nos dará gênios, declara um biólogo inglês. O términus da investigação alquímica, que é a transformação do próprio operador, talvez seja o términus da investigação científica atual. Veremos mais adiante que, em certa medida, isso já se deu com alguns sábios contemporâneos.
Os estudos mais avançados de psicologia parecem provar a existência de um estado diferente dos estados de sono e de vigília, de um estado de consciência superior noqual o homem possuiria faculdades intelectuais duas vezes superiores. À psicologia das profundezas, que devemos à psicanálise, acrescentamos hoje uma psicologia das altitudes que nos coloca na direção de uma superintelectualidade possível. O gênio não seria mais que uma das etapas do percurso que o homem pode percorrer dentro de si próprio, para alcançar a utilização das suas faculdades totais.
Numa vida intelectual normal, não utilizamos a décima parte das nossas possibilidades de atenção, prospecção, memória, intuição ou coordenação. Pode ser que estejamos prestes a descobrir, ou redescobrir, as chaves que nos permitirão abrir dentro de nós as portas para além das quais nos espera uma imensidade de conhecimentos. A idéia de uma próxima transformação da humanidade, neste plano, não faz parte do sonho ocultista, mas da realidade. Voltaremos demoradamente ao assunto mais adiante. Provavelmente, já existem mutantes entre nós, ou; pelo menos, homens que já deram alguns passos sobre a estrada que, um dia ou outro, todos nós percorreremos.
Segundo a tradição, não sendo a expressão gênio suficiente para exprimir todos os possíveis estados superiores do cérebro humano, os Rosa-Cruzes pertenciam a espíritos de outra categoria, que se reuniam por cooptação. Digamos antes que a lenda dos Rosa-Cruzes serviu de suporte a uma realidade: a sociedade secreta permanente dos homens superiormente esclarecidos - uma conspiração feita à luz do dia.
A sociedade Rosa-Cruz ter-se-ia formado naturalmente, através de homens que tinham atingido um estado de consciência elevado, em busca de correspondentes, de outros homens, seus semelhantes pelo nascimento, com os quais o diálogo fosse possível. Vemos assim Einstein ser compreendido apenas por cinco ou seis homens no mundo, e existirem só algumas centenas de matemáticos e físicos susceptíveis de refletir proveitosamente a respeito de uma nova revisão da lei de paridade.
Para os Rosa-Cruzes não há outro estudo além do da natureza, mas este estudo só é realmente esclarecedor para espíritos de uma categoria diferente do espírito vulgar.
Aplicando um espírito da categoria diferente ao estudo da natureza, alcança-se a totalidade dos conhecimentos e a sabedoria. Esta idéia nova, dinâmica, seduziu Descartes e Newton. Ao falar-se de ambos, os Rosa-Cruzes foram mais de uma vez evocados. Quer dizer que eles eram filiados? Esta pergunta não faz sentido. Não é uma sociedade organizada que concebemos, mas os necessários contactos entre espíritos de outra categoria, e uma linguagem comum, não secreta, mas simplesmente ininteligível para os homens em determinada época.

Imagem: videolife.tk

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