Afinal, o mistério da “chuva de aves” parece ainda não ter terminado. Apenas dois dias depois de cerca de 5000 aves terem caído mortas no estado norte-americano do Arkansas, esta segunda-feira de manhã apareceram mortos 500 animais nas estradas no estado vizinho do Louisiana.
Por Helena Geraldes
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(Scanpix/Bjorn Larsson Rosvall/Reuters)
Com dois dias de diferença e a cerca de 500 quilómetros de distância, 500 aves apareceram mortas numa estrada rural da região de Pointe Coupee, no Louisiana. Os especialistas foram apanhados de surpresa com mais este fenómeno e ainda não sabem o que causou a morte destas aves.
Um terceiro caso está ainda a ser divulgado, mas desta vez do outro lado do oceano, na Suécia. Entre 50 a cem aves foram encontradas mortas, pouco antes da meia-noite de terça para quarta-feira, junto a uma estrada à entrada da pequena localidade de Falköping. Algumas das aves, gralhas-de-nuca-cinzenta (Corvus monedula), ainda foram encontradas vivas, contou à AFP Christer Olofsson, dos serviços de resgate de Falköping. "O veterinário do distrito chegou às 08h30 (07h30 em Lisboa) e recolheu cinco aves para análise" num laboratório em Uppsala, informou. Os resultados são esperados dentro de 24 a 48 horas.
O veterinário do distrito, Robert ter Horst, informa que a sua principal teoria "é que as aves foram assustadas pelos fogos-de-artifício e caíram na estrada mas não conseguiram voar por causa do stress. Acabaram por morrer atropeladas", contou hoje ao jornal sueco "The Local".
Anders Wirdheim, da Sociedade de Ornitologia sueca, disse ao jornal que a situação terá sido agravada porque as aves estão mais fracas nesta altura do ano. "Este Inverno tem sido especialmente rigoroso e as aves podem estar enfraquecidas. Isso aumenta as possibilidades de colidirem com diferentes objectos. Há pouco alimento nos campos em comparação com anos anteriores e vejo aves mortas todos os dias."
Ainda assim, não existe qualquer ligação estabelecida entre este caso e a morte das aves nos Estados Unidos.
As autoridades do Arkansas e do Louisiana enviaram alguns animais para serem analisados por investigadores na Universidade de Geórgia e no Centro Nacional de Saúde da Vida Selvagem em Madison, no Wisconsin. Este centro recebeu 42 aves do Arkansas e começou ontem à tarde a realizar as necrópsias. Segundo o site do Channel3000, os investigadores recolheram amostras de tecido do cérebro das aves para ver se os pesticidas tiveram algum papel nestas mortes. Mas poderá demorar até uma semana a conclusão das análises às amostras que ajudem os cientistas a determinar a causa da morte daqueles animais. Hoje, o Centro de Madison vai começar a estudar cinco das aves que foram encontradas mortas no Lousiana.
Ainda não foi estabelecida nenhuma ligação entre os dois casos. "Os cientistas ainda estão a investigar o que aconteceu às aves no Louisiana e no Arkansas. Mas as primeiras informações indicam que estes incidentes isolados foram, provavelmente, causados por uma perturbação e desorientação", explicou em comunicado Greg Butcher, director de conservação das aves na Audubon Society, uma das mais antigas organizações norte-americanas de Ambiente.
Segundo o responsável, em teoria, "as mortes em massa de aves podem ser causadas por fome, tempestades, doenças, pesticidas, colisões com estruturas feitas pelo ser humano ou perturbação humana".
Especialista em recuperação de animais selvagens descarta pânico como a única causa
Ricardo Brandão, médico veterinário do CERVAS (Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens) em Gouveia, admite que é "estranho" morrerem tantas aves em tão curto espaço de tempo e afirma não ter "registo de uma mortalidade tão assustadora".
As causas poderão ultrapassar o pânico sentido pelas aves. "Já temos visto aves que, perante uma situação de fogo-de-artifício, saem dos sítios onde estão a dormir e voam assustadas, mas estão vivas", acrescentou. Fazendo valer que não arrisca avançar explicações, Ricardo Brandão admite que "não seria de descartar a hipótese de doença" ou algo "que está a acontecer há mais tempo" e que tenha passado despercebido. O responsável lembrou o ano de 2002, quando o vírus do Nilo causou uma elevada mortalidade nas aves dos Estados Unidos, afectando sobretudo corvídeos.
No CERVAS não existem aves que padecem de stress. "Mesmo quando há incêndios e as aves sentem pânico, acabam por chegar a este centro por outras razões. Há sempre uma outra causa por trás", como por exemplo ferimentos.
"Não é fácil interpretarmos as demonstrações de stress e pânico numa ave", considerou. De acordo com Ricardo Brandão, "segundo os casos que temos, as aves têm stress associado à nossa própria intervenção, quando chegam ao centro e nos aproximamos delas" para fazer um diagnóstico. Por exemplo, a águia-cobreira manifesta o stress deitando-se e agachando-se a um canto. "Temos aqui uma águia-cobreira há quatro ou cinco meses [em recuperação] que ainda se agacha quando chegamos perto".
Luís Costa, director da Spea (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), comentou ao PÚBLICO que este "é um caso estranho" e que o segundo episódio, no Louisiana "veio baralhar um pouco as coisas". "Os especialistas norte-americanos ainda não conseguiram perceber o que está a acontecer. Talvez tenha ocorrido uma mudança súbita na pressão atmosférica", opiniou.
"O destino das aves está ligado ao nosso"
Os animais encontrados mortos - tordos-sargentos ou pássaros-pretos-da-asa-vermelha (Agelaius phoeniceus), o estorninho-comum (Sturnus vulgaris), o corvo Quiscalus quiscula e o Molothrus ater -são espécies abundantes que se reúnem em bandos de milhares de aves para passarem a noite durante os meses de Inverno.
A Audubon Society garante que está a acompanhar a situação. "Precisamos de estar atentos à evolução dos acontecimentos", disse Melanie Driscoll, da organização. "Mas se estes incidentes forem casos isolados, não representam uma ameaça significativa para as populações destas aves. Muito mais preocupante, a longo prazo, é a miríade de outras ameaças que as aves enfrentam, desde a destruição do habitat às alterações climáticas e espécies invasoras."
Neste momento, muitas das espécies mais comuns nos Estados Unidos têm as suas populações em decínio, "muito devido às actividades humanas", lembrou Butcher.
"É vital que as pessoas tomem atenção a isto porque muitas vezes o destino das aves está ligado ao nosso. As aves respiram o mesmo ar que nós e fazem parte da mesma cadeia alimentar que nos sustenta a todos."
Christer Olofsson segura numa ave morta em Falkoping
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