Conhecem-se mais de cem mil livros ou manuscritos alquímicos. Essa imensa literatura, à qual se consagraram espíritos de categoria, homens importantes e honestos, essa imensa literatura que afirma solenemente a sua adesão a fatos, a realidades experimentais, nunca foi explorada cientificamente.
Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL
O pensamento reinante, católico no passado, racionalista atualmente, manteve em redor desses textos uma conspiração de ignorância e desprezo. Existem cem mil livros que possivelmente contêm alguns dos segredos da energia e da matéria. Se isso não é verdade, eles pelo menos assim o proclamam. Os príncipes, os reis e as repúblicas encorajaram inúmeras expedições a países longínquos, financiaram investigações científicas de todos os gêneros. Nunca uma equipe de criptógrafos, historiadores, lingüistas e sábios, físicos, químicos, matemáticos e biologistas se reuniu numa biblioteca alquímica completa com a missão de verificar o que há de verdadeiro e de utilizável nesses velhos tratados. Isso é que é inconcebível. Que tais limitações do espírito sejam possíveis e duradouras, que sociedades humanas muito civilizadas e, como a nossa, aparentemente sem preconceitos de qualquer espécie, possam manter esquecidos nas suas águas-furtadas cem mil livros e manuscritos com a etiqueta de: Tesouro, eis o que convencerá os mais cépticos de que vivemos no fantástico.
As raras investigações sobre alquimia são feitas quer por místicos que procuram nos textos uma confirmação das suas atitudes espirituais, quer por historiadores sem o menor contacto com a ciência e as técnicas.
Os alquimistas falam da necessidade de destilar milhares de vezes a água que servirá para a preparação do Elixir. Ouvimos dizer a um historiador especializado que essa operação era demencial. Ignorava tudo a respeito da água pesada e dos métodos que se empregam para enriquecer a água simples em água pesada. Ouvimos um erudito afirmar que a refinação e a purificação indefinidamente repetidas de um metal ou de um metalóide não alteram absolutamente nada as propriedades deste; seria então necessário ver nas recomendações alquímicas uma mística aprendizagem da paciência, um gesto ritual comparável ao desfiar das contas do rosário.
E, no entanto, é com essa refinação por meio de uma técnica descrita pelos alquimistas e a que hoje se chama a fusão de zona que se prepara o germânio e o silício puros dos transistores. Atualmente sabemos, graças a esses trabalhos sobre os transistores, que, se se purificar profundamente um metal e introduzir em seguida alguns milionésimos de grama de impurezas cuidadosamente escolhidas, concede-se ao corpo tratado novas e revolucionárias propriedades. Não desejamos multiplicar os exemplos, mas gostaríamos de fazer compreender até que ponto seria conveniente um exame verdadeiramente metódico da literatura alquímica. Seria um trabalho imenso, que exigiria dezenas de anos de trabalho e dezenas de investigadores pertencentes a todas as disciplinas. Nem Bergier nem eu pudemos sequer esboçar semelhante trabalho, mas se o nosso volumoso e desajeitado livro pudesse um dia decidir um mecenas a permitir esse trabalho, não teríamos perdido completamente o nosso tempo.
Ao estudarmos um pouco os textos alquímicos, constatamos que estes são geralmente modernos em relação à época em que foram escritos, ao passo que as outras obras de ocultismos estão em atraso. Por outro lado, a alquimia é a única prática para-religiosa que, de fato, enriqueceu o nosso conhecimento real. Alberto o Grande (1193-1280) conseguiu preparar a potassa cáustica. Foi o primeiro a descrever a composição química do cinabre, do alvaiade e do mínio.
Raimundo Lull (1235-1315) preparou o bicarbonato de potássio.
Teofrasto Paracelso (1493-1541) foi o primeiro a descrever o zinco, desconhecido até então. Introduziu igualmente na medicina o uso dos compostos químicos.
Giambattista della Porta (1541-1615) preparou o óxido de estanho.
Jean-Baptiste Van Helmont (1577-1644) descobriu a existência dos gases.
Basile Valentin (do qual ninguém jamais soube a verdadeira identidade) descobriu no século XVII o ácido sulfúrico e o ácido clorídrico.
Johann Rudolf Glauber (1604-1668) descobriu o sulfato de sódio.
Brandt (falecido em 1692) descobriu o fósforo.
Johann Friedrich Boetticher (1682-1719) foi o primeiro europeu a fazer a porcelana.
Blaise Vigenère (1523-1596) descobriu o ácido benzóico. Tais são alguns dos trabalhos alquímicos que enriquecem a humanidade no momento em que a química progride.
À medida que se desenvolvem outras ciências, a alquimia parece seguir e muitas vezes preceder o progresso. Le Breton, nas suas Clefs de la Philosophie Spagyrzque, em 1722, fala do magnetismo de maneira mais do que inteligente e frequentemente antecipa a respeito das descobertas modernas. O Padre Castel, em 1728, no momento em que as idéias sobre a gravitação começam a divulgar-se, fala desta e das suas relações com a luz em termos que, dois séculos mais tarde, ecoarão estranhamente ao pensamento de Einstein:
Eu disse que, se subtraíssemos o peso do Mundo, subtrairíamos simultaneamente a luz. De resto a luz e o som, e todas as outras qualidades sensíveis, são uma conseqüência e como que um resultado da mecânica, e por conseqüência do peso dos corpos naturais que são mais ou menos luminosos ou sonoros, conforme têm maior peso e elasticidade.
Nos tratados alquímicos do nosso século vê-se aparecer frequentemente, mais depressa do que nas produções universitárias, as últimas descobertas da física nuclear, e é provável que os tratados de amanhã mencionem as teorias físicas e matemáticas o mais abstratas possível.
É evidente a distinção entre a alquimia e as falsas ciências como a radiestesia, que introduz ondas ou raios nas suas publicações depois de a ciência oficial as ter descoberto. Tudo nos leva a pensar que a alquimia é susceptível de fornecer uma contribuição importante aos conhecimentos e às técnicas do futuro baseadas na estrutura da matéria.
Constatamos igualmente, na literatura alquímica, a existência de um número impressionante de textos puramente delirantes.
Pretenderam por vezes explicar esse delírio por meio da psicanálise (Jung: Psicologia e Alquimia, ou Herbert Silberer: Problemas do Misticismo). Como a alquimia contém uma doutrina metafísica e supõe uma atitude mística, a maior parte das vezes os historiadores, os curiosos e sobretudo os ocultistas obstinaram-se em interpretar esses conceitos demenciais no sentido de uma revelação supranatural, de uma profecia inspirada. Observando melhor, pareceu-nos prudente tomar, a par dos textos técnicos e dos textos de sabedoria, os textos demenciais por textos demenciais. Pareceu-nos também que essa demência do adepto experimentador podia ter uma explicação material, simples, satisfatória. O mercúrio era frequentemente utilizado pelos alquimistas. O seu valor é tóxico e o envenenamento crônico provoca o delírio. Teoricamente, os recipientes empregados eram absolutamente herméticos, mas o segredo desse encerramento não é divulgado a todos os adeptos, e a loucura pôde apossar-se de mais de um filósofo químico.
Por fim, ficamos impressionados com o aspecto criptogâmico da literatura alquímica. Blaise Vigenère, que citamos mais atrás, inventou códigos aperfeiçoadíssimos e métodos de cifragem dos mais engenhosos. As suas invenções nesta matéria aindahoje são utilizadas. É provável que Blaise Vigenère tenha tomado contacto com essa ciência da cifra ao tentar interpretar os textos alquímicos. Seria conveniente acrescentar às equipas de investigadores que desejamos ver reunidas especialistas do deciframento.
A fim de dar um exemplo mais evidente, escreve René Alleau 1, servir-nos-emos do jogo do xadrez, do qual conhecemos a relativa facilidade das regras e dos elementos, assim como a indefinida variedade das combinações. Se supusermos que o conjunto dos tratados acromáticos da alquimia se nos apresenta como outras tantas partes anotadas numa linguagem convencional, é preciso admitir em primeiro lugar, com a maior honestidade, que ignoramos tanto as regras do jogo como a cifra utilizada. De contrário, afirmamos que a indicação criptográfica é composta por sinais diretamente compreensíveis para qualquer indivíduo, o que é precisamente a ilusão imediata que deve provocar um criptograma bem composto. Portanto a prudência aconselha-nos a não nos deixarmos seduzir pela tentação de um sentido claro, e a estudarmos esses textos como se se tratasse de uma linguagem desconhecida.
Aparentemente, tais mensagens só se dirigem a outros jogadores, a outros alquimistas que somos levados a crer que já possuem, por qualquer processo diferente da tradição escrita, chave necessária para a compreensão exata dessa linguagem.
Por muito longe que remontemos na investigação do passado, encontraremos manuscritos alquímicos. Nicolas de Valois, no século XV, deduzia por isso que as alterações, os segredos e as técnicas da libertação da energia foram descobertas pelos homens antes mesmo da escrita. A arquitetura precedeu a escrita. Por isso vemos a alquimia muito intimamente ligada à arquitetura. Um dos textos mais significativos da alquimia, cujo autor é um tal Esprit Gobineau de Montluisant, intitula-se: Explicações muito curiosas dos enigmas e figuras hieroglíficas que existem no portal de Notre-Dame de Paris. As obras de Fulcanelli são consagradas ao Mistério das Catedrais e às minuciosas descrições das Moradas Filosofais. Algumas construções medievais testemunhariam o hábito imemorial de transmitir por meio da arquitetura a mensagem da alquimia, que data de eras infinitamente longínquas da humanidade.
Newton acreditava na existência de uma cadeia de iniciados alastrando no tempo até uma antiguidade muito remota, e que teriam conhecido os segredos das alterações e da desintegração da matéria. O sábio atomista inglês Da Costa Andrade, num discurso pronunciado diante dos seus pares por ocasião do tricentenário de Newton, em Cambridge, em Julho de 1946, não hesitou em dar a entender que o inventor da gravitação talvez fizesse parte de uma cadeia e apenas revelara ao mundo uma pequena parte do seu saber:
Imagem: orapois.com.br
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