Se um serviço desta espécie tivesse existido outrora, teria podido assinalar, por exemplo, o interesse de um pequeno livro passado despercebido, publicado em 1618 e intitulado Histoire naturelle de la fontaine qui brúle près de Grenoble.
Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL
O autor era um médico de Tournon, Jean Tardin. Se este documento tivesse sido estudado, o gás de iluminação podia ter sido utilizado desde o princípio do século XVII. De fato, Jean Tardin não só estudou o gasômetro natural da nascente, como reproduziu no seu laboratório os fenômenos observados. Meteu hulha num recipiente fechado, submeteu¬ o a uma alta temperatura e obteve a produção das chamas cuja origem procurava. Ele explicou com clareza que a chama é provocada pelo betume e que basta reduzir esta matéria a gás para que ela produza um fluido inflamável. Mas o francês Lebon, anterior ao inglês Winsor, só no ano VII da República é que registrou a sua termo-lâmpada. Devido a os textos antigos não serem lidos, fora esquecida, portanto praticamente perdida, durante cerca de dois séculos, uma descoberta cujas conseqüências industriais e comerciais teriam sido consideráveis.
Da mesma forma, cerca de cem anos antes dos sinais ópticos de Claude Chappe, inventados em 1793, numa carta que Fénelon dirigiu em 26 de Novembro de 1695 a Jean Sobieski, secretário do rei da Polônia, refere-se a recentes experiências não apenas de telegrafia óptica, mas também de telefonia com porta-voz.Já em 1636, um autor desconhecido, Schwenter, examina nos seus Délassements physico¬mathématzques o princípio do telégrafo elétrico e de que forma, segundo a sua própria expressão, dois indivíduos podem comunicar entre si por meio da agulha magnética. Ora as experiências de Oersted sobre os desvios da agulha de marear datam de 1819. Também neste caso, perto de dois séculos tinham decorrido.
Vou citar rapidamente algumas invenções pouco conhecidas: a câmara de imersão é referida num manuscrito do Romance de Alexandre do Real Gabinete das Estampas de Berlim; a inscrição tem a data de 1320. Um manuscrito do poema alemão Salman und Morolf, escrito em 1190 (biblioteca de Estutgard), falava no projeto de um barco submarino; a inscrição subsiste, o submersível era em cabedal e capaz de resistir às tempestades.
Encontrando-se um dia rodeado de galeras, o inventor, que corria o risco de ser capturado, fez submergir o barco e permaneceu catorze dias no fundo do mar respirando por meio de um tubo flutuante. Num trabalho escrito pelo cavaleiro Ludwig Von Hartenstein, por volta de 1510, encontra-se o modelo para um escafandro; tem duas aberturas à altura dos olhos, cobertas por óculos de vidro. Na parte de cima, umcomprido tubo com uma torneira na extremidade permite a entrada de ar. À direita e à esquerda do desenho vêem-se os acessórios indispensáveis para facilitar a descida e a vinda à superfície, como seja solas de chumbo e uma vara com escalões.
Eis ainda outro exemplo de esquecimento: um escritor desconhecido, nascido em 1729 em Montebourg, perto de Coutances (França), publicou um trabalho intitulado Giphantie, anagrama da primeira parte do nome do autor, Tiphaigne de la Roche. Nele se descreve não só a fotografia das imagens, como também a das cores: A impressão das imagens, escreve o autor, faz-se no primeiro instante em que a tela as recebe. Deve ser retirada imediatamente e colocada num local escuro. Uma hora depois, o reboco está seco e tereis um quadro tanto mais precioso quanto é certo não ser possível a qualquer arte imitar a verdade. O autor acrescenta: Em primeiro lugar trata¬se de examinar a natureza do corpo viscoso que intercepta e conserva os raios, em segundo lugar as dificuldades para o preparar e usar, em terceiro lugar o jogo da luz e desse corpo enxuto. Ora é sabido que a descoberta de Daguerre foi anunciada por Arago à Academia das Ciências, um século mais tarde, a 7 de Janeiro de 1839. Aliás, convém notar que as propriedades de certos corpos metálicos susceptíveis de fixar as imagens foram assinaladas num tratado de Fabricius: De rebus metallicis, publicado em 1566.
Outro exemplo: a vacinação, descrita desde tempos imemoriais por um dos Vedas, o Sactaya Grantham. Este texto foi citado por Moreau de Jouet a 16 de Outubro de 1826, na Academia das Ciências, no seu Relatório sobre a varíola: Recolhei o fluido das pústulas com a ponta de uma lanceta, introduzi-o no braço misturando o fluido com o sangue e a febre surgirá: dessa forma a doença será bastante benigna e não inspirará preocupações. Em seguida há uma descrição completa de todos os sintomas.
Tratar-se-á de anestésicos? A este respeito poderia consultar-se um trabalho de Denis Papin escrito em 1681 e intitulado: Le traité des opérations sans douleur, ou então prosseguir as antigas experiências dos chineses sobre os extratos de cânhamo indiano, ou ainda utilizar o vinho de mandrágora, muito conhecido na Idade Média, completamente esquecido no século XVII e do qual um médico de Tolosa, em 1823, o doutor Auriol, estudou os efeitos. Jamais alguém pensou em verificar os resultados obtidos.
E a penicilina? Neste caso, podemos citar em primeiro lugar um conhecimento empírico, como seja os pensos de queijo Roquefort utilizados na Idade Média 1, mas a este respeito pode constatar-se um fato ainda mais curioso. Ernest Duchesne, aluno daÉcole de Santé Militaire de Lião, apresentou a 17 de Dezembro de 1897 uma tese intitulada: Contribution à I'étude de la concur rence vitale chez les micro-organismes -antagonisme entre les moisissures et les microbes. Neste trabalho encontram-se experiências relatando a ação do penicillum glaucum sobre as bactérias. Ora esta tese passou despercebida. Insisto sobre este exemplo de evidente esquecimento numa época muito próxima da nossa, em pleno triunfo da bacteriologia. (Sabe-se hoje que este queijo francês contém colônias de penicillum (cogumelo microscópio). -N. da T.)
Quereis mais exemplos? São inúmeros e seria necessário consagrar uma conferência a cada um deles. Citarei especialmente o oxigênio, cujos efeitos foram estudados no século XV por um alquimista, Eck de Sulsback, como o assinalou Chevreul no Journal des Savants, de Outubro de 1849; aliás, Teofrasto já dizia que a chama era sustentada por um corpo aeriforme e São Clemente de Alexandria era da mesma opinião.
Não citarei qualquer das extraordinárias antecipações de Roger Bacon, Cyrano de Bergerac e outros, pois é muito fácil justificá-las por um excesso de imaginação. Prefiro manter-me no terreno sólido dos fatos controláveis. A propósito do automóvel - e peço desculpa de não poder insistir sobre um assunto que muitos de vós conheceis bem melhor do que eu - farei notar que no século XVII, em Nuremberg, um tal Jean Hauteh fabricava carros com molas. Em 1645, foi experimentado um carro deste gênero na cerca do Templo e creio que a sociedade comercial fundada para explorar esta invenção não se pôde concretizar.
Possivelmente encontrou obstáculos comparáveis aos que sofreu a primeira Sociedade dos Transportes Parisienses, cuja iniciativa -convém recordá-lo - se deve a Pascal, que levou um dos seus amigos, o duque de Roannes, a patrociná-la com o seu nome e a sua fortuna.
Mesmo em relação a descobertas mais importantes do que estas, esquecemos a influência dos dados fornecidos pelos Antigos. Cristóvão Colombo confessou sinceramente tudo o que devia aos sábios, aos filósofos e aos poetas antigos. Geralmente ignora-se que Colombo copiou duas vezes o coro do segundo ato de Medeia, uma tragédia de Sêneca, onde o autor falava de um mundo cuja descoberta estava reservada para os séculos futuros. Essa cópia pode ser examinada no manuscrito das Profecias que se encontra na biblioteca de Sevilha. Colombo também se lembrou da afirmação de Aristóteles, no seu tratado De Caelo, a propósito da esfericidade da Terra.
Não teria Joubert razão ao dizer que coisa alguma torna os espíritos tão imprudentes e inúteis como a ignorância do passado e o desprezo pelos livros antigos? Tal como Rivarol escrevia admiravelmente: Todo o Estado é um misterioso navio ancorado no céu, poder-se-ia dizer a propósito do tempo que o navio do futuro está ancorado no céu do passado. Apenas o esquecimento nos ameaça com os piores naufrágios.
Ele parece atingir o limite máximo com a história inacreditável, se não fosse verdadeira, das minas de ouro na Califórnia. Em Junho de 1848, Marshall descobriu pela primeira vez pedaços de ouro nas margens de um regato perto do qual vigiava a construção de um moinho. Ora Fernando Cortês já por ali passara, procurando, na Califórnia, mexicanos que se diziam portadores de tesouros consideráveis; Cortês transtornou a região inteira, revistou todas as cabanas, sem sequer pensar em apanhar um pouco de areia; durante três séculos, os bandos espanhóis, as missões da Companhia de Jesus calcaram com os pés a areia aurífera, procurando o Eldorado sempre um pouco mais longe. No entanto, em 1737, mais de cem anos antes da descoberta de Marshall, os leitores da Gazeta da Holanda poderiam ter sabido que as minas de ouro e de prata de Sonora eram exploráveis, pois o jornal em questão indicava a sua posição exata. Além disso, em 1767, podia comprar-se em Paris um livro intitulado Histoire naturelle. et civile de la Californie, onde o autor, Buriel, descrevia as minas de ouro e transcrevia testemunhos dos navegadores a propósito dos pedaços de ouro. Ninguém reparou nesse artigo, nem nesse trabalho, nem nesses fatos que, um século mais tarde, foram suficientes para provocar a corrida para o ouro. Aliás, será que ainda são lidas as descrições dos antigos navegadores árabes?
E, no entanto, ali se encontrariam preciosas indicações para a exploração mineira.
Na verdade, o esquecimento não perdoa. Demoradas pesquisas, verificações precisas convenceram-me de que a Europa e a França possuem tesouros que praticamente não exploram: os documentos antigos das nossas grandes bibliotecas. Ora toda a técnica industrial deve ser elaborada a partir de três dimensões: a experiência, a ciência e a história. Eliminar ou desprezar esta última é dar provas de orgulho e ingenuidade. É igualmente preferir correr o risco de encontrar aquilo que ainda não existe em vez de procurar racionalmente adaptar o que existe ao que se deseja obter. Antes de investir grandes capitais, um industrial deve estar de posse de todos os elementos tecnológicos de um problema. Ora é evidente que, só por si, a procura da anterioridade das patentes não é, de forma alguma, suficiente para situar uma técnica num dado momento da história. De fato, as indústrias são muito mais antigas do que as ciências, por tanto, devem ser completamente informadas quanto aos seus métodos, a respeito dos quais estão muito menos ao fato do que julgam.
Imagem: olharesinsolitos.com
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