O que nós pensamos, pelo contrário, é que Cayce, Ramanujão, Boscovitch são espíritos que se mantiveram entre nós (e para onde iriam?), mas que funcionaram a uma velocidade extraordinária. Não é uma questão de diferença de nível, mas de velocidade. Outro tanto diremos dos espíritos místicos mais elevados. Os milagres estão na aceleração, tanto na física nuclear como na psicologia. É a partir dessa noção que é necessário estudar o terceiro estado de consciência, ou estado de vigília, segundo supomos.
Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL
No entanto, se esse estado de vigília é possível, e se não é um dom vindo do céu, uma espécie de graça de Deus, mas está contido no equipamento do cérebro e do corpo, esse equipamento, uma vez posto em serviço, não poderá também modificar em nós outras coisas além da inteligência? Se o estado de vigília é uma propriedade de qualquer sistema nervoso superior, essa ativação deveria poder reagir em todo o corpo, dando-lhe estranhos poderes. Todas as tradições ligam ao estado de vigília a existência de poderes anormais: a imortalidade, a levitação, a ação à distância sobre os objetos, etc. Mas não serão esses poderes apenas imagens do que o espírito pode, quando mudou de estado no domínio do conhecimento? Ou serão realidades? Talvez tenha havido alguns possíveis casos de levitação.
Também não temos no que respeita a imortalidade, devidamente esclarecido o caso Fulcanelli. É tudo o que podemos dizer com honestidade sobre o assunto. Não temos em nosso poder nenhuma prova experimental. Ousaremos confessar, por fim, que o caso só vagamente nos interessa. Não é o esquisito que nos chama a atenção, mas o fantástico. Essa questão dos poderes paranormais, aliás, mereceria ser abordada de uma forma muito diferente. Não do ponto de vista da lógica cartesiana (que Descartes, se hoje fosse vivo, seria o primeiro a repudiar), mas do ponto de vista da ciência aberta de agora. Olhemos as coisas com o olhar de um ser vindo do exterior que desembarcasse no nosso planeta: a levitação existe, a visão à distância existe, o homem tem o dom da ubiqüidade, o homem apossou-se da energia universal. O avião, o radiotelescópio, a televisão e a pilha atômica existem. Não são produtos naturais: são criações do espírito humano. Esta observação pode parecer pueril: mas é vivificante. O que é pueril é atribuir tudo ao homem sozinho. O homem isolado não tem o dom da ubiquidade, não levita, não possui a visão à distância, etc. De fato, é a sociedade humana, e não o indivíduo, que possui esses poderes. Mas a noção de indivíduo talvez seja uma noção pueril, e a tradição, com as suas lendas, talvez se exprimisse em nome do conjunto humano, em nome do fenômeno humano...
O senhor está a brincar! Está a falar-nos de máquinas! Eis o que dirão em conjunto os racionalistas que se apóiam em Descartes e os ocultistas que se apóiam na tradição. Mas a que se dá o nome de máquinas? Eis aqui uma questão que merece ser analisada de mais perto.
Algumas linhas traçadas a tinta sobre um pergaminho serão uma máquina? Ora a técnica dos circuitos impressos, que a eletrônica moderna emprega vulgarmente, permite realizar um receptor de ondas composto por linhas traçadas com duas tintas que contêm uma grafite, outra cobre.
Uma pedra preciosa será uma máquina? Não, responde o coro. Ora a estrutura cristalina de uma pedra preciosa é uma máquina complexa e utiliza-se o diamante como detector de radiações atômicas. Os cristais artificiais, ou transistores, substituem simultaneamente as lâmpadas eletrônicas, os transformadores, as máquinas giratórias elétricas do tipo comutadoras a elevação de voltagem, etc.
O espírito humano, nessas criações técnicas mais subtis e mais eficazes, emprega processos cada vez mais simples. O senhor está a jogar com as palavras, exclama o ocultista. Eu estou a falar das manifestações do espírito humano sem qualquer espécie de intermediário.
É ele que joga com as palavras.
Ninguém jamais registrou uma manifestação do espírito humano que não utilizasse qualquer máquina. Essa idéia do espírito em si é uma perniciosa fantasmagoria. O espírito humano em ação utiliza uma máquina complexa, elaborada em três bilhões de anos de evolução: o corpo humano. E esse corpo nunca está só, não existe só: está ligado à Terra e ao cosmos inteiro por mil laços materiais e energéticos.
Não sabemos tudo a respeito do corpo. Não sabemos tudo das suas relações com o Universo. Ninguém poderia dizer quais são os limites da máquina humana, e de que forma a poderia empregar um espírito que a utilizasse no máximo das suas possibilidades. Não sabemos tudo a respeito das forças em circulação nas profundezas de nós próprios e em redor de nós, na Terra, em redor da Terra, na vastidão do cosmos. Ninguém sabe quais são as forças naturais simples, ainda não suspeitadas e no entanto ao alcance da mão, que um homem dotado de uma consciência desperta e de uma apreensão da natureza mais direta que a da nossa inteligência linear poderia utilizar.
Forças naturais simples. Vejamos ainda as coisas com o olhar bárbaro e lúcido do estrangeiro do exterior: nada é mais simples, mais fácil de realizar do que um transformador elétrico. Os egípcios da mais remota antiguidade poderiam muito bem tê¬los construído, se tivessem conhecido a teoria eletromagnética.
Nada mais fácil do que a libertação da energia atômica. Basta um sal de urânio puro na água pesada, e pode obter-se água pesada tornando a destilar durante vinte e cinco ou cem anos a água vulgar. A máquina de predizer as marés de lorde Kelvin (1893), de onde partiram os nossos computadores analógicos e toda a nossa cibernética, era composta por roldanas e pedaços de guita. Os Sumerianos poderiam tê-la construído.
Esta é uma forma de ver que dá novas dimensões ao problema das civilizações desaparecidas. Se existiram, no passado, homens que atingiram o estado de vigília, e se aplicaram os seus poderes não só na religião, na filosofia ou na mística, como também no conhecimento objetivo e na técnica, é perfeitamente natural, racional, razoável admitir que eles puderam fazer milagres, mesmo com a mais simples aparelhagem. (Se a maior parte dos arqueólogos concordam em negar totalmente a existência no passado de civilizações avançadas que dispusessem de meios materiais poderosos, a possibilidade da existência, em qualquer época da humanidade, de uma pequena percentagem de seres despertos, utilizando as forças naturais com os meios ao alcance, não pode de forma alguma ser desmentida).
Nós pensamos mesmo que um exame metódico dos dados arqueológicos e históricos confirmariam esta hipótese. Como teria esse despertar começado? Evidentemente que se pode invocar intervenções do Além. Pode-se igualmente imaginar uma interpretação puramente materialista, racionalista. Era uma interpretação assim que nós queríamos propor. A física dos raios cósmicos descobriu há vários anos aquilo que ela chama acontecimentos extraordinários.
Chama-se acontecimento em física cósmica à colisão entre uma partícula vinda do espaço e a nossa matéria.
Em 1957, como o assinalamos no nosso estudo sobre alquimia foi detectada uma partícula excepcional, de uma energia fantástica Cenergia atingindo l00's elétrons-volts,
enquanto a fissão do urânio só produz 2 x 105). Admitamos que uma vez apenas, depois do surgimento da humanidade, uma tal partícula tenha atingido um cérebro humano. Quem sabe se as enormes energias exaladas não poderiam produzir uma ativação e se o primeiro homem desperto não nasceu assim. Esse homem desperto teria podido descobrir, teria podido aplicar técnicas para transmitir o despertar. Sob diversas formas essa técnica ter-se-ia prolongado até à nossa época e a Grande Obra dos Alquimistas, a Iniciação talvez fossem mais do que uma lenda.
A nossa hipótese não é evidentemente mais do que uma hipótese. Não parece ser verificável experimentalmente, pois nem sequer se pode conceber um acelerador artificial produzindo tão formidáveis, tão fantásticas energias. Tudo o que podemos dizer é que o grande sábio inglês sir James Jeans escrevera: K foi talvez a radiação cósmica que fez o homem do macaco esta citação provém do seu livro: O numeroso Universo, Hermann ed., 1929. Limitamo-nos a retomar essas idéias, com dados modernos que sir James Jeans ignorava e que nos permitem escrever: Talvez tenham sido acontecimentos cósmicos excepcionais, de energias fantásticas, que fizeram do homem o super-homem.
Um homem, sábio, segundo nos conta Jorge Luís Borges, consagrara toda a sua vida à investigação, entre os inúmeros signos da natureza, do inefável nome de Deus, o número do grande segredo. De infortúnio em infortúnio, ei-lo preso pela polícia de um príncipe, e condenado a ser devorado por uma pantera. Atiram-no para dentro de uma jaula. Do outro lado da barreira, que será erguida dentro de instantes, a fera prepara-se para o festim. O nosso sábio contempla o animal e eis que, analisando as manchas do pêlo, descobre através do ritmo das formas o número, o nome que tanto e em tantos lugares procurara. Sabe então por que motivo vai morrer, e que morrerá sabendo-o que não é morrer.
O Universo devora-nos, ou então revela-nos o seu segredo segundo sabemos ou não contemplá-lo. É grandemente provável que as leis mais subtis e mais profundas da vida e do destino de tudo o que está criado estejam claramente inscritas no mundo material que nos cerca, que Deus tenha deixado a sua escrita sobre as coisas, como para o nosso sábio no pêlo da pantera, e bastaria talvez um certo olhar. . . O homem desperto seria o homem desse olhar.
ALGUNS DOCUMENTOS SOBRE O ESTADO DE VIGÍLIA
Uma antologia a fazer. - As opiniões de Gurdjieff - A minha passagem pela escola de vigília. - Uma história de Raymond Abellio. - Um texto admirável de Gustav Meyrinck, gênio ignorado.
Se existe um estado de vigília, falta edificar um andar no edifício da psicologia moderna. Eis, no entanto, quatro documentos que fazem parte da nossa época. Não os escolhemos, por nos faltar o tempo para uma verdadeira escolha. Falta elaborar uma antologia dos testemunhos e estudos modernos sobre o estado de vigília. Seria muito útil. Estabeleceria comunicações com a tradição. Mostraria a permanência do essencial no nosso século. Esclareceria certos caminhos do futuro. Os literatos encontrariam ali uma chave, os investigadores de ciências humanas sentir-se-iam estimulados, os sábios veriam nisso o fio que corre através de todas as grandes aventuras do espírito, e sentir-se-iam menos isolados. Bem entendido, ao reunir estes documentos que estão ao alcance das nossas mãos, as nossas pretensões são mais modestas. Queremos apenas fornecer breves indicações sobre uma psicologia possível do estado de vigília nas suas formas elementares.
Encontrar-se-á portanto neste capítulo:
1º - Excertos das opiniões do chefe de escola Georges Ivanovitch Gurdjieff, recolhidas pelo filósofo Ouspensky;
2º - O meu próprio testemunho sobre as tentativas que fiz para me colocar sobre a via do estado de vigília sob a indicação dos instrutores da escola Gurdjieff;
3º - A história narrada pelo romancista e filósofo Raymond Abellio a respeito de uma experiência pessoal;
4º - O mais admirável texto, para nós, de toda a literatura moderna sobre esse estado. Esse texto é extraído de um romance desconhecido do poeta e filósofo alemão Gustav Meyrinck, cuja obra, não traduzida à exceção do Visage Vert e Le Golenm, atinge os cumes da intuição mística.
AS OPINIÕES DE GURDJIEFF
Para compreender a diferença entre os estados de consciência é necessário voltar ao primeiro, que é o sono. É um estado de consciência inteiramente subjetivos. O homem mergulha nos seus sonhos - pouco importa que deles conserve ou não a recordação. Mesmo se algumas impressões reais atingem o homem adormecido, tais como sons, vozes, calor, frio, sensações do seu próprio corpo, elas só despertam nele imagensfantásticas. Depois o homem acorda. À primeira vista é um estado de consciência completamente diferente. Ele pode mover-se, falar com outras pessoas, fazer projetos, ver perigos, evitá-los, etc. Parece razoável pensar que se encontra numa situação melhor do que enquanto dorme. Mas se nós vemos as coisas um pouco mais a fundo, se lançarmos um olhar ao seu mundo interior, aos seus pensamentos, às causas das suas ações, compreendermos que está quase no mesmo estado que quando dorme.
É mesmo talvez pior, porque no sono está passivo, o que quer dizer que nada pode fazer. Pelo contrário, no estado de vigília pode agir sem interrupção e os resultados das suas ações repercutir-se-ão nele e naquilo que o rodeia. E no entanto não se recordade si próprio. É uma máquina, tudo lhe acontece. Não pode fazer parar a vaga dos seus pensamentos, não pode controlar a imaginação, as suas emoções, a sua atenção. Vive num mundo subjetivo de eu gosto, não gosto, isto agrada-me, aquilo não me agrada, desejo, não desejo, quer dizer, um mundo feito daquilo de que julga gostar ou não gostar, desejar ou não desejar. Não vê o mundo real. O mundo real está-lhe vedado pelo muro da própria imaginação.
Ele vive no sono. E aquilo a que chama a sua consciência lúcida não é mais que sono - e um sono muito mais perigoso que o seu sono da noite, na cama. Consideremos qualquer acontecimento da vida da humanidade. Por exemplo, a guerra. há guerra neste momento. O que quer isto dizer? Isto significa que vários milhares de adormecidos se esforçam por destruir vários milhares de outros adormecidos. Recusar¬se-iam a isso, evidentemente, se despertassem. Tudo o que atualmente se passa é devido a esse sono.
Estes dois estados de consciência, sono e estado de vigília vulgar, são tão subjetivos um como o outro. Só quando começa a recordar-se de si próprio é que o homem pode na verdade despertar. Em seu redor toda a vida adquire então um aspecto e um sentido diferentes. Vê-a como uma vida de pessoas adormecidas, uma vida de sono. Tudo o que as pessoas dizem, tudo o que fazem, dizem-no e fazem-no durante o sono. Nada disso portanto, pode ter qualquer valor. Apenas o despertar e o que leva ao despertar pode ter um real valor.
Quantas vezes já me perguntaram se não seria possível fazer parar as guerras? Evidentemente que seria possível. Bastaria que as pessoas despertassem. Isso parece bem fácil. No entanto nada seria mais difícil, porque o sono é trazido e mantido por toda a vida ambiente, por todas as condições do ambiente.
Como despertar? Como escapar a esse sono? Estas perguntas são as mais importantes, as perguntas vitais que um homem deve pôr a si próprio. Mas, antes de as pôr, deverá convencer-se da veracidade do seu sono. E só lhe será possível convencer-se tentando despertar. Quando tiver compreendido que não se recorda de si próprio e que a lembrança de si próprio significa até certo ponto um despertar; quando tiver visto por experiência quanto é difícil recordar-se de si próprio, então ele compreenderá que para despertar não é suficiente desejá-lo.
Mais rigorosamente, diremos que um homem não pode despertar por si próprio. Mas se vinte homens combinarem que o primeiro entre eles a acordar acordará os outros, já têm uma probabilidade. No entanto, isso também é insuficiente, porque esses vinte homens podem adormecer ao mesmo tempo, e sonhar que despertam. Não é portantosuficiente. É necessário mais ainda.
Esses vinte homens devem ser vigiados por um homem que não esteja adormecido ou que não adormeça tão facilmente como outros, ou que vá dormir conscientemente quando seja possível quando disso não resulte qualquer mal nem para ele nem para os outros. Devem procurar um homem desses e contratá-lo para que os desperte e lhes não permita tornar a cair no sono. Sem isso é impossível despertar. É isso que importa compreender.
É possível pensar durante um milhar de anos, é possível escrever bibliotecas inteiras, inventar teorias aos milhões e tudo isso durante o sono, sem qualquer possibilidade de despertar.
Pelo contrário, essas teorias e esses livros escritos ou fabricados por adormecidos terão simplesmente como resultado arrastar outros homens para o sono e assim indefinidamente.
Não há nada de novo na idéia do sono. Quase desde a criação do mundo, foi dito aos homens que eles estavam adormecidos, e que deveriam despertar. Quantas vezes lemos, por exemplo, nos Evangelhos: Despertai, velai, não fiqueis a dormir!
Imagem: Gustav Meyrinck. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo constitui hoje um dos ...
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