Foi Himmler o encarregado da organização da S.S., não como uma companhia policial, mas como uma verdadeira ordem religiosa, hierarquizada, dos irmãos leigos aos superiores.
Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL
Nas altas esferas encontram-se os responsáveis conscientes de uma Ordem Negra, cuja existência aliás nunca foi oficialmente reconhecida pelo governo nacional-socialista. Mesmo no centro do partido falava-se daqueles que sabiam do círculo interior, mas nunca foi dada uma designação oficial. Parece certo que a doutrina, jamais completamente explicada, se baseava na crença absoluta em poderes que ultrapassam os poderes humanos vulgares. Nas religiões distingue-se a teologia, considerada uma ciência, da mística, intuitiva e incomunicável. Os trabalhos da sociedade Ahnenerbe, a que nos referiremos mais adiante, representam o aspecto teológico, a Ordem Negra o aspecto místico da religião dos Senhores de Tule.
O que é necessário compreender é que a partir do momento em que toda a obra de reunião e excitação do partido hitleriano muda de direção, ou antes, é mais severamente orientada no sentido da doutrina secreta (mais ou menos bem compreendida e aplicada, até aqui, pelo médium colocado nos postos de propaganda), já não estamos em presença de um movimento nacional e político. Na prática, os temas serão os mesmos, mas tratar-se-á apenas, da linguagem exotérica dirigida às multidões, de uma descrição dos objetivos imediatos, atrás dos quais há outros objetivos. Nada mais contou exceto a perseguição infatigável de um sonho pavoroso. Dali em diante, se Hitler tivesse tido à sua disposição um povo que pudesse, melhor do que o povo alemão, servir a exaltação do seu pensamento supremo, não teria hesitado em sacrificar o povo alemão. Não o seu pensamento supremo, mas o supremo pensamento de um grupo mágico agindo através dele. Brasillach reconhece que ele sacrificaria toda a felicidade humana, a sua e ainda por cima a do seu povo se o misterioso dever ao qual obedecia lho ordenasse.
Vou confiar-lhe um segredo, disse Hitler a Rauschning: estou a fundar uma ordem.Evoca os Burgs onde se realizará uma primeira iniciação. E acrescenta: É de lá que sairá a segunda categoria, a do homem medida e centro do mundo, do homem-deus. O homem-deus, a figura esplêndida do Ser, será como uma imagem do culto... Mas existem outras categorias de que me não é permitido falar.. .
Central de energia edificada em redor da central principal, a Ordem Negra isola do mundo todos os seus membros, seja qual for o grau iniciático a que pertençam. Bem entendido, escreve Poetel, não era mais do que um pequeno círculo de altos graduados e de grandes chefes S.S. que estavam ao corrente das teorias e das reivindicações essenciais. Os membros das diversas formações preparatórias só foram informados quando lhes foi imposto, antes de contraírem matrimônio, que pedissem autorização aos seus chefes, ou quando os colocaram sob uma jurisdição própria da Ordem, extremamente rigorosa aliás, mas cujo efeito era de os subtrair à competência da autoridade civil. Verificaram então que fora das leis da Ordem não tinham qualquer outro dever e que já não havia para eles existência privada.
Os monges combatentes, (Monge = grego monos = só), os S.S. com o emblema da caveira (que é preciso não confundir com outras organizações como a Waffen S.S., compostas por irmãos leigos ou por terciários da Ordem, ou ainda por mecânicas humanas construídas à semelhança do verdadeiro S.S como reproduções côncavas do modelo) receberão a primeira iniciação em Burgs. Mas primeiro terão passado pelo seminário, a Napola. Ao inaugurar uma dessas Napola, ou escolas preparatórias Himmler reduz a doutrina ao seu mais pequeno denominador comum: Crer, obedecer, combater e é tudo.
São escolas onde, como diz o Schwarze Korps de 26 de Novembro de 1942, se aprende a dar e a receber a morte.
Mais tarde, se disso são dignos, os cadetes recebidos nos Burgs compreenderão que receber a morte pode ser interpretado no sentido de matar o seu eu. Mas se não são dignos, é a morte física que receberão sobre os campos de batalha. A tragédia da grandeza é ter de pisar cadáveres. E que importa? Nem todos os homens têm existência verdadeira e há uma hierarquia da existência, do homem-fingido ao grande mago. Mal sai do nada o cadete volta para lá, depois de vislumbrar, para a sua salvação, o caminho que conduz à figura esplêndida do Ser... Era nos Burgs que se pronunciavam os votos, e que se entrava num destino sobre-humano irreversível. A Ordem Negra traduz em atos as ameaças do doutor Ley: Aquele a quem o partido retirar o direito à camisa negra - é preciso que cada um de nós o saiba -, não só perderá as suas funções como ainda será aniquilado, na sua pessoa, nas pessoas da sua família, de sua mulher e de seus filhos. Tais são as duras leis, as leis implacáveis da nossa Ordem.
Eis-nos fora do mundo. Já não se trata da Alemanha eterna ou do Estado nacional¬socialista, mas da preparação mágica, para a vinda do homem-deus, do homem-após¬o-homem que as Potências enviarão sobre a Terra, quando tivermos modificado o equilíbrio das forças espirituais. A cerimônia em que se recebia a runa S.S. devia assemelhar-se bastante ao que descreve Reinhold Schneider quando evoca os membros da Ordem Tectônica na grande sala do Remter de Marienburg, inclinando-se sob os votos que dali para o futuro fariam deles a Igreja Militante: Eles vinham de países de aspectos diversos, vinham de uma vida agitada. Entravam na austeridade limitada deste castelo e abandonavam os seus brasões pessoais cujas armas tinham sido usadas pelo menos por quatro antepassados. Agora, o seu brasão seria a cruz que impõe o combate mais grave deste mundo e assegura a vida eterna. Aquele que sabe não fala: não existe qualquer descrição da cerimônia iniciática nos Burgs, mas sabe-se que tal cerimônia se realizava. Chamavam-lhe a cerimônia da Atmosfera Densa, em alusão à atmosfera extraordinariamente tensa que reinava e não se dissipava senão depois de os votos terem sido pronunciados. Alguns ocultistas como Lewis Spence pretenderam ver nela uma missa negra na pura tradição satânica. Pelo contrário, Willi Frieschauer, no seu trabalho sobre Himmler interpreta a Atmosfera Densa como o momento de embrutecimento absoluto dos participantes. Entre estas duas teses há lugar para uma interpretação mais realista e portanto mais fantástica.
Destino irrevogável: foram concebidos planos para isolar o S.S. do mundo dos homens¬fingidos durante toda a sua vida. Projetaram a criação de cidades, de vilas de veteranos repartidas através do Mundo e que dependessem unicamente da administração e da autoridade da Ordem. Mas Himmler e os seus irmãos conceberam um sonho mais grandioso ainda. O mundo teria por modelo um Estado S.S. soberano. Na conferência da paz, diz Himmler, em Março de 1943, o mundo ficará a saber que a velha Borgonha
vai ressuscitar, esse país que outrora foi a terra das ciências e das artes e que a França relegou para a categoria de apêndice conservado em vinho fraco, O Estado soberano de Borgonha, com o seu exército, as suas leis, a sua moeda, os seus correios, será o Estado S.S. modelo. Compreenderá a Suíça francesa, a Picardia, a Champanha, o Franco-Condado, o Hainautl e o Luxemburgo. A língua oficial será o alemão, bem entendido. O Partido Nacional-Socialista não terá ali qualquer autoridade. Só a S.S. governará, e o mundo ficará ao mesmo tempo assombrado e maravilhado com esse Estado onde as concepções do mundo S.S. serão aplicadas.
O verdadeiro S.S. de formação iniciática situa-se, a seus próprios olhos, para além do bem e do mal. A organização de Himmler não conta com o auxílio fanático de sádicos que procuram a voluptuosidade do assassínio: conta com homens novos. Fora do círculo interior, que inclui os S.S. com o emblema da caveira, isto é, os chefes mais próximos da doutrina secreta, segundo a sua categoria, e cujo centro é Tule, o santuário, há o S.S. de tipo médio, que não passa de uma máquina sem alma, um autômato de serviço. É obtido com um fabrico Standard, a partir de qualidades negativas.
A sua produção não depende da doutrina, mas de simples métodos de preparação. Não se trata de suprimir a desigualdade entre os homens, mas pelo contrário de a ampliar e dela fazer uma lei protegida por barreiras intransponíveis, diz Hitler... Que aspecto terá a futura ordem social? Meus camaradas, vou dizer-lhes: haverá uma classe de senhores, haverá a multidão dos diversos membros do partido classificados hierarquicamente, haverá a grande massa dos anônimos, a coletividade dos servidores, dos perpetuamente menores e, mais abaixo ainda, a classe dos estrangeiros conquistados, os modernos escravos. E, acima de tudo isto, uma nova alta nobreza de que não posso falar. . . Mas estes planos devem ser ignorados pelos simples militantes.. .
O mundo é uma matéria a transformar para que dela emane uma certa energia, concentrada por magos, uma energia psíquica susceptível de atrair as Potências do Exterior, os Superiores Desconhecidos, os Mestres do Cosmos. A atividade da Ordem Negra não corresponde a nenhuma necessidade política ou militar: corresponde a uma necessidade mágica. Os campos de concentração provêm da magia de iniciação: são um ato simbólico, uma maquete. Todos os povos serão arrancados às suas raízes, transformados numa imensa população nômade, numa matéria bruta sobre a qual será lícito agir, da maneira que se quiser, e da qual brotará a flor: o homem em contacto com os deuses. É o modelo côncavo (como dizia Barbey d'Aurevilly: o inferno é o céu em côncavo) do planeta tornado o campo dos labores mágicos da Ordem Negra.
No ensinamento dos Burgs, uma parte da doutrina secreta é transmitida pela seguinte fórmula: Não existe senão o Cosmos, ou o Universo, ser vivo. todas as coisas, todos os seres incluindo o homem, não passam de formas diversas ampliando-se no decorrer das eras do universal vivo. Nós próprios não estaremos vivos enquanto não tomarmos consciência desse Ser que nos cerca, nos engloba e prepara através de nós outras formas. A criação não está terminada, o Espírito do Cosmos não encontrou o repouso, estejamos atentos às suas ordens, que nos serão transmitidas por deuses, a nós, magos bárbaros, padeiros da sangrenta e cega massa humana! Os fornos de Auschwitz: ritual.
O coronel S.S. Wolfram Sievers, que se limitara a uma defesa puramente racional, pediu, antes de entrar para a sala de enforcamento, que o deixassem celebrar, uma última vez o seu culto, murmurar misteriosas orações. Depois entregou o pescoço ao carrasco, Impassível.
Ele fora o administrador-geral da Ahnenerbe e como tal foi condenado à morte em Nuremberg. A sociedade de estudo para a herança dos antepassados, a Ahnenerbe, fora fundada a título privado pelo mestre espiritual de Sievers, Frederico Hielscher, místico amigo do explorador sueco Sven Hedin, o qual mantinha relações estreitas com Haushoffer. Sven Hedin, especialista do Extremo-Oriente, vivera muito tempo no Tibete e fora um intermediário importante na criação das doutrinas esotéricas nazistas. Frederico Hielscher nunca foi nazista e chegou mesmo a manter relações com o filósofo judeu Martin Buber.
Mas as suas teses profundas lembravam as posições mágicas dos grandes mestres do nacional-socialismo. Himmler, em 1935, dois anos depois da fundação, fez da Ahnenerbe uma organização oficial, ligada à Ordem Negra. Os objetivos declarados eram: Investigar a localização, o espírito, os atos, a herança da raça indo-germânica e comunicar ao povo, sob uma forma interessante, os resultados dessas investigações. A execução dessa missão deve fazer-se empregando métodos de precisão científica. Toda a organização racional alemã posta ao serviço do irracional. Em Janeiro de 1939, a Ahnenerbe estava pura e simplesmente incorporada à S.S. e os seus chefes integrados no estado-maior de Himmler. Nessa altura, ela dispunha de cinqüenta institutos dirigidos pelo professor Wurst, especialista dos antigos textos sagrados e que ensinara o sânscrito na Universidade de Munique.
Parece que a Alemanha gastou mais dinheiro com as investigações da Ahnenerbe do que a América com o fabrico da primeira bomba atômica. Essas investigações iam da atividade científica propriamente dita até ao estudo das práticas ocultas, da vivisseção praticada nos prisioneiros até à espionagem das sociedades secretas. Fizeram-se conferências com Skorzeny para organizar uma expedição cujo objetivo era roubar o Santo Graal, e Himmler criou uma secção especial, um serviço de informações encarregado dos domínios do sobrenatural.
A lista dos relatórios dispendiosamente estabelecidos pela Ahnenerbe confunde a imaginação: presença da confraria Rosa-Cruz, simbolismo da abolição da harpa no Ulster, significado oculto das torres góticas e dos chapéus altos de Eton, etc. Quando as tropas se preparam para evacuar Nápoles, Himmler multiplica as ordens para que não se esqueçam de levar a grande pedra tumular do último imperador Hohenstoffen. Em 1943, após a queda de Mussolini, o Reichsführer reúne numa vivenda dos arredores de Berlim os seis maiores ocultistas da Alemanha para descobrir o local onde o Duce está prisioneiro. As conferências de estado-maior principiam com uma sessão de concentração lógica. No Tibete, por ordem de Sievers, o doutor Scheffer estabelece múltiplos contactos com os lamas. Leva para Munique, para os estudos científicos, cavalos arianos e abelhas arianas cujo mel tem virtudes particulares.
Durante a guerra, Sievers organiza, nos campos de deportados, as horríveis experiências que desde então serviram de tema a vários livros negros. A Ahnenerbe enriqueceu-se com um instituto de investigações científicas de defesa nacional que dispunha de todas as possibilidades concedidas em Dachau.
O professor Hirt, que dirige esses institutos, arranja uma coleção de esqueletos tipicamente israelitas. Sievers encomenda ao exército invasor na Rússia uma coleção de crânios de comissários judeus. Quando, em Nuremberg, se evocam esses crimes, Sievers mantém-se alheio a qualquer sentimento humano normal, estranho a qualquer piedade. Está distante. Escuta outras vozes.
Hielscher representou sem dúvida um papel importante na elaboração da doutrina secreta. Fora dessa doutrina, a atitude de Sievers, tal como a dos outros grandes responsáveis, mantém-se incompreensível. Os termos monstruosidade moral, crueldade mental, loucura, nada explicam. A respeito do mestre espiritual de Sievers, quase nada se sabe. Mas Ernst Jünger refere-se-lhe no diário que manteve durante os seus anos de ocupação em Paris. O tradutor francês não reparou numa nota, a nossos olhos capital. É que de fato o sentido da mesma só se torna evidente dentro da explicação realista-fantástica do fenômeno nazista. a 14 de Outubro de 1943, Jünger escreve:
À noite, visita de Bogo. (Por prudência, Jünger dissimula as altas personalidades sob pseudônimos. Bogo é Hielscher, assim como Kniebolo é Hitler). Numa época tão pobre em forças originais, ele surge-me como uma das pessoas das minhas relações a respeito das quais mais refleti sem conseguir formar uma opinião. Supus outrora que ele entraria na história da nossa época como uma dessas personagens pouco conhecidas, mas de extraordinária subtileza de espírito. Agora penso que terá um papel mais importante. Muitos, se não a maior parte dos jovens intelectuais da geração que se tornou adulta após a grande guerra, sofreram a sua influência e muitas vezes passaram pela sua escola... Ele confirmou uma suspeita que há muito tempo alimento, a de que fundou uma igreja. Situa-se atualmente para lá da dogmática e já avançou muito na liturgia. Mostrou-me uma série de cantos e um ciclo de festas, o ano pagão, que engloba uma ordenança completa de deuses, de cores, animais, iguarias, pedras e plantas. Vi ali que a consagração da luz se celebra a 2 de Fevereiro. . .
E Jünger acrescenta, confirmando a nossa tese:
Pude constatar em Bogo uma modificação fundamental que me parece característica de todo o nosso escol: arremessa-se impetuosamente para os domínios metafísicos, com todo o entusiasmo de um pensamento formado pelo racionalismo. Isto já me tinha impressionado em Spengler e está entre os presságios favoráveis. Poderia dizer-se que o século XIX foi um século racional e que o século XX é o dos cultos. O próprio Kniebolo (Hitler) vive deles, daí a total incapacidade dos espíritos liberais em conceberem nem que seja uma pequena idéia do seu universo.
Hielscher, que não fora incomodado, depôs a favor de Sievers no processo de Nuremberg. Limitou-se, perante os juízes, a diversões políticas, expôs opiniões voluntariamente absurdas sobre as raças e as tribos ancestrais. Pediu licença para acompanhar Sievers ao patíbulo, e foi com ele que o condenado fez as orações particulares de um culto a que este nunca se referiu durante os interrogatórios. Depois voltou à sombra.
Imagem: Só Os Cultos Sobrevivem
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