quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Nosso cérebro é capaz de prever o futuro próximo


Se você sempre invejou a capacidade de clarividência de médiuns e ciganas, pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) têm uma novidade: qualquer pessoa é capaz de prever o futuro. O motivo? Todos nós somos capazes de sugerir qual o próximo evento dentro de um determinado panorama, seguindo o que os psicólogos chamam de “corrente de consciência”.
Esta corrente, que foi a base do estudo, nada mais é do que o nosso fluxo normal de pensamentos ao observar o que está à nossa volta. O que proporciona a continuidade da corrente de consciência, no cérebro, é a dopamina. Trata-se de um neurotransmissor, ou seja, uma substância atua nas sinapses, as ligações entre neurônios.
Um cérebro saudável, segundo os pesquisadores, tem sempre uma previsão automática a um futuro próximo, com grande possibilidade de acerto. Isso não exclui totalmente, como explicam os cientistas, as chances de haver uma previsão errada, e tal chance aumenta conforme a pessoa envelhece, sofre danos cerebrais ou contrai doenças como o mal de Alzheimer.
O estudo aconteceu com um grupo de jovens voluntários, que foram colocados para assistir a pequenos trechos de vídeo enquanto eram submetidos à ressonância magnética. Em cada filme, havia uma pessoa fazendo algo previsível, como limpar o carro ou lavar roupas. No meio de cada cena, os pesquisadores paravam o vídeo e pediam para cada participante prever o que viria a seguir. Mais de 90% das previsões estavam corretas. Mas se a cena mostrada, no entanto, fosse inteiramente nova, a média de acerto de um evento futuro caía para menos de 80%.
A ressonância magnética serviu para medir a atividade cerebral de cada paciente durante o período. Os exames mostraram, no fim das contas, que a potencialidade do cérebro aumenta de forma notável quando era exigido que se adivinhasse algo que ainda não tinha acontecido. A chance de acerto, dessa forma, vem com a experiência: quando o cérebro já registrou algo parecido anteriormente, tem boas chances de avaliar o que virá a seguir. [MSN]
http://hypescience.com/nosso-cerebro-e-capaz-de-prever-o-futuro-proximo/
Hypescience

terça-feira, 30 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (49). Essa sociedade chamava-se a Golden Dawn.


Só Maeterlinck se impressionou: os meus melhores agradecimentos pela revelação desta bela e singular obra. É, segundo creio, a primeira vez que foi tentada a mistura do fantástico tradicional ou diabólico com o fantástico moderno e científico e que dessa mistura nasceu a obra mais impressionante que conheço, pois atinge simultaneamente as nossas recordações e as nossas esperanças

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Arthur Machen nasceu em 1863 no país de Gales, em Caerlson-Usk, minúscula aldeia que foi a sede do rei Artur e de onde os Cavaleiros da Távola Redonda partiram em busca do Graal. Quando se sabe que Himmler, em plena guerra, organizou uma expedição com o fim de procurar o vaso sagrado, falaremos nisso mais adiante, quando, para esclarecer a história nazista secreta, se depara com um texto de Machen, descobrindo em seguida que este escritor nasceu nessa aldeia, berço dos temas wagnerianos, pensa-se uma vez mais que, para quem sabe ler, as coincidências usam trajos de luz.
Machen instalou-se em Londres ainda jovem e aí viveu assustado, como Lovecraft em Nova Iorque. Caixeiro de livraria durante alguns meses, depois preceptor, chegou à conclusão de que era incapaz de ganhar a vida em sociedade. Começou a escrever numa penúria material extrema e total cansaço. Durante um longo período, viveu de traduções: As Memórias de Casanova, em doze volumes, por trinta shillings por semana durante dois anos. Recebeu uma pequena herança por morte de seu pai, Clergyman, e, com a subsistência garantida durante algum tempo, prosseguiu a sua obra com o sentimento crescente de que um imenso golfo espiritual o separava dos outros homens, e que era necessário aceitar cada vez mais profundamente aquela vida de Robinson Crusoé da alma.
As suas primeiras narrativas fantásticas foram publicadas em 1895. São elas The Great God Pan e The Immost Light. Aí afirma que o Grande Pã não morreu e que as forças do mal, no sentido mágico do termo, não cessam de esperar por alguns de nós para nos fazer passar para o outro lado do mundo. Nesse mesmo registro publicou no ano seguinte O Pó Branco, que é a sua obra mais poderosa juntamente com The Secret Glory, sua obra-prima, escrita aos sessenta anos.
Aos trinta e seis anos, após doze de amor, perdeu a mulher: Não chegamos a estar separados doze horas durante esses doze anos; podem portanto avaliar o que sofri e continuo a sofrer todos os dias. Se sinto algum desejo de ver os meus manuscritos impressos é para lhe poder dedicar cada um deles nestes termos: Auctoris Anima adDominam. É ignorado, vive na miséria, e tem o coração partido. Três anos depois, com trinta e nove anos, renuncia à literatura e faz-se ator ambulante. O senhor diz-me que não tem muita coragem, escreve ele a Toulet. Eu não tenho nenhuma. tão pouca que já não escrevo uma linha, e nunca mais escreverei, suponho. Tornei-me cabotino; dediquei-me ao teatro e neste momento represento um papel em Coriolano.
Deambula através da Inglaterra, com a companhia shakespeariana de sir Frank Benson, depois reúne-se ao grupo do Teatro Saint James. Pouco antes da guerra de 1914, tendo tido de abandonar o teatro, faz um pouco de jornalismo, para sobreviver. Não escreve nenhum livro. Na barafunda de Fleet Street, entre os seus companheiros de trabalho sempre atarefados, a sua figura estranha de homem meditativo, as suas maneiras lentas e afáveis de erudito fazem sorrir.
Para Machen, como se pode verificar em toda a sua obra, o homem é feito de mistério para os mistérios e as visões.
A realidade é o sobrenatural. O mundo exterior é pouco instrutivo, a menos que seja
visto como um reservatório de símbolos e de significações escondidas. Só as obras de imaginação produzidas por um espírito que procura as verdades eternas têm alguma probabilidade de ser obras reais e realmente úteis. Como diz o crítico Philip Van Doren Stern, é possível que houvesse mais verdades essenciais nas narrativas fantásticas de Arthur Machen do que em todos os gráficos e todas as estatísticas do Mundo.
Foi uma estranha aventura que reconduziu Machen à vida literária. Tornou o célebre durante algumas semanas e o choque que sofreu decidiu-o a acabar a vida como escritor. O jornalismo pesava-lhe, e já não sentia desejos de escrever para ele próprio. A guerra acabava de se declarar. Havia necessidade de literatura heróica. Não era esse o seu gênero. The Evening News pediu-lhe uma narrativa. Ele escreveu-a ao correr da pena, mas apesar de tudo no seu estilo. Chamava-se The Bowmen (Os Arqueiros). O jornal publicou essa narrativa a 29 de Setembro de 1914, no dia seguinte ao da retirada de Mons. Machen imaginara um episódio dessa batalha. São Jorge com a sua armadura rutilante, à frente de anjos que são os antigos arqueiros de Azincourt, vem em auxílio do exército britânico. Escreveram para o jornal dezenas de soldados: esse senhor Machen não inventara. Eles tinham visto, com os seus próprios olhos, diante de Mons, os anjos de São Jorge deslizarem para o meio das fileiras. Podiam testemunhá¬lo sob a sua honra.
Inúmeras dessas cartas foram publicadas. A Inglaterra, ávida de milagres num momento tão perigoso, comoveu-se. Machen sofrera por o terem ignorado quando tentara revelar as realidades secretas. Dessa vez, com um fantástico sem categoria, agitava o país inteiro. Ou então, dar-se-ia o caso de que as forças ocultas se levantassem e tomassem tal ou tal forma ao apelo da sua imaginação, tantas vezes agarrada às verdades essenciais e que trabalhara talvez, sem ele próprio o saber, em profundidade? Machen repetiu, nos jornais, mais de doze vezes, que a sua narrativa era pura ficção. Ninguém o admitiu. Na véspera da sua morte, mais de trinta anos depois, já muito velho, constantemente se referia a essa extravagante história dos anjos de Mons.
A despeito dessa celebridade, o livro que ele escreveu em 1915 não teve o menor êxito. Tratava-se de O Grande Regresso, meditação sobre o Graal. Depois veio, em 1922, The Secret Glory, que é uma crítica ao mundo moderno à luz da experiência religiosa. Aos sessenta anos começou uma autobiografia original em três volumes. Tinha alguns admiradores em Inglaterra e na América, mas morria de fome. Em 1943 (tinha então oitenta anos), Bernard Shaw, Max Beerbohn, T. S. Eliot organizaram uma comissão para tentar reunir fundos que lhe permitissem não acabar num asilo de indigentes. Pôde terminar os seus dias em paz, numa pequena casa de Buckinghamshire, e morreu em 1947. Sempre o encantara uma frase de Murger. Em A Vida de Boêmia, Marcel, o pintor, nem sequer possui uma cama. Mas então onde é que descansa?, pergunta-lhe o proprietário. Senhor, responde Marcel, descanso na Providência.
Por volta de 1880, em França, na Inglaterra e na Alemanha fundam-se sociedades iniciáticas e ordens herméticas que agrupam poderosas personalidades. A história dessa crise mística pós-romântica ainda não foi escrita. Merecia sê-lo. Ali se encontraria a origem de várias correntes de pensamento importantes e que, por sua vez, determinariam correntes políticas. Nas cartas de Arthur Machen a P.J. Toulet encontram-se duas curiosas passagens.
Em 1899:
Quando escrevi Pã e O Pó Branco, não imaginava que acontecimentos tão estranhos alguma vez se dessem na vida real, ou até que jamais fossem susceptíveis de se produzir.
Mas depois, e muito recentemente, verificaram-se na minha própria existência experiências que alteraram completamente o meu ponto de vista a esse respeito... De hoje em diante estou convencido de que nada é impossível sobre a Terra. Tenho apenas que acrescentar, acho eu, que nenhuma das experiências que fiz tem qualquer coisa a ver com aldrabices como o espiritualismo ou a teosofia. Mas creio que vivemos num mundo de grande mistério, de coisas insuspeitadas e absolutamente espantosas. Em 1900:
Uma coisa que pode divertir o meu amigo: enviei O Grande Deus Pã a um adepto, um ocultista avançado, que encontrei subrosa! e ele escreveu: O livro prova bem que, por meio do pensamento e da meditação, mais do que pela leitura, V. Ex.a tem atingido um certo grau de iniciação independente das ordens e das organizações.
Quem é esse adepto? E quais são essas experiências? Noutra carta, após a passagem de Toulet por Londres Machen escreve:
O sr. Waite simpatizou muito consigo, pede-me que envie os seus cumprimentos.
Despertou a nossa atenção o nome desse íntimo de Machen que se dava com tão poucas pessoas. Waite foi um dos melhores historiadores de alquimia e um especialista da ordem de Rosa-Cruz. Tínhamos chegado àquele ponto das nossas investigações que nos esclareciam a respeito das curiosidades intelectuais de Machen, quando um dos nossos amigos nos fez uma série de revelações sobre a existência, em Inglaterra, no final do século XIX e princípio do XX, de uma sociedade iniciática: inspirada na Rosa-Cruz.
Essa sociedade chamava-se a Golden Dawn. Era composta por alguns dos espíritos mais brilhantes de Inglaterra. Arthur Machen foi um dos adeptos.
A Golden Dawn, fundada em 1887, era procedente da Sociedade da Rosa-Cruz inglesa, criada vinte anos antes por Robert Wentworth Little, e que angariava partidários entre os mestres maçons. Esta última sociedade compreendia 144 membros, entre os quais Bulwer-Lytton, autor de Os últimos Dias de Pompéia. A Golden Dawn, mais reduzida ainda, tinha como finalidade a prática da magia cerimonial e a obtenção dos poderes e conhecimentos iniciáticos. Os seus chefes eram Woodman, Mathers e Wynn Wescott (o iniciado de que Machen falava a Toulet na sua carta do ano de 1900). Ela estava em contacto com sociedades similares alemãs de que mais tarde se encontrarão certos membros no famoso movimento de antroposofia do período pré-nazista. Viria a ter como mestre Aleister Crowley, um homem absolutamente extraordinário e com certeza um dos maiores espíritos do neopaganismo de que seguiremos a pista na Alemanha. (Ele viria a publicar essas revelações nos números 2 e 3 da revista La Tour Saint Jacques, em 1956, sob o nome de Pierre Victor: L’ordre hermétique de la Golden Dawn).
S. L. Mathers, após a morte de Woodmann, e a retirada de Wescott, foi o grande mestre da Golden Dawn, que governou durante algum tempo de Paris, onde acabava de desposar a irmã de Henri Bergson. Mathers foi substituído na direção da Golden Dawn pelo célebre poeta Yeats, que mais tarde viria a receber o Prêmio Nobel. Yeats
tomou o nome de Irmão Diabo é Deus Inversus. Presidia às sessões de kilt escocês, mascarado de preto e com um punhal de ouro à cintura.
Arthur Machen tomara o nome de Filus Aquartá. Havia uma mulher filiada na Golden Dawn: Florence Farr, diretora de teatro e amiga íntima de Bernard Shaw. Ali se encontravam também os escritores Blackwood, Stoker, o autor de Drácula, e Sax Rohmer, assim como Peck, o astrônomo real da Escócia, o célebre engenheiro Allan Bennett e sir Gerald Kelly, presidente da Real Academia. Segundo parece, esses espíritos de elite foram marcados de forma indelével pela Golden Dawn. Como eles próprios confessaram, a visão que tinham do mundo foi alterada e as práticas às quais se entregaram não deixaram de lhes parecer eficazes e exaltantes.
Certos textos de Arthur Machen ressuscitam uma sabedoria esquecida pela maior parte dos homens, e no entanto indispensável para uma justa compreensão do mundo. Mesmo para o leitor não prevenido, emana uma inquietante verdade das frases deste escritor.
Quando decidimos apresentar-vos certas páginas de Machen nada sabíamos da Golden Dawn. Guardadas todas as proporções e salva a nossa humildade, passou-se aqui conosco o que se passa com os maiores prestidigitadores: o que os distingue dos seus semelhantes em destreza é que, no decorrer dos seus melhores exercícios, os objetos começam a ter uma vida própria, escapam-se-lhes, entregando-se a proezas imprevistas. Nós sentimo-nos ultrapassados pelo mágico. Procurávamos num texto de Machen que nos impressionara um esclarecimento geral sobre os aspectos do nazismo que nos parecem mais significativos do que tudo o que foi dito pela história oficial. Verifica-se que uma lógica implacável rege, de fato, o nosso sistema aparentemente extravagante. De certo modo, não é de admirar que esse esclarecimento geral nos venha de um membro de uma sociedade iniciática com forte inclinação para o neopaganismo.
Eis o texto que serve de introdução a um conto intitulada The White People. Esse conto, escrito depois de O Grande Deus Pã, figura numa coleção de textos de Machen publicada após a sua morte: Tales of Horror and the Supernatural (Richard's Press, Londres).
O texto de Arthur Machen. - Os verdadeiros pecadores, da mesma forma que os verdadeiros santos, são ascetas. O verdadeiro Mal, assim como o verdadeiro Bem, nada tem a ver com o mundo vulgar. - O que é pecado é conquistar o céu de assalto. - O verdadeiro Mal torna-se cada vez mais raro. - O materialismo, inimigo do Bem e ainda mais do Mal. - Apesar de tudo, existe hoje qualquer coisa.
-Se estais realmente interessados. . .
Ambrose disse: A feitiçaria e a santidade, eis as únicas realidades.
E prosseguiu: A magia justifica-se através dos seus filhos; eles comem côdeas de pão e bebem água com uma alegria muito mais intensa do que o epicúrio.
Imagem: submarino.com.br

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (48). na história, nações inteiras caíram numa inexplicável agitação.


Limitamo-nos a um momento da história alemã. Poderíamos igualmente mostrar, por exemplo, para apreender o fantástico na história contemporânea, a invasão das idéias asiáticas na Europa no momento em que as idéias européias provocam o despertar dos povos da Ásia. Aí está um fenômeno tão desmoralizante como o espaço não euclidiano ou os paradoxos do núcleo atômico.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

O historiador convencional, o sociólogo comprometido não vêem, ou recusam ver, esses movimentos profundos que não se adaptam àquilo a que eles chamam os movimentos da história. Eles prosseguem imperturbavelmente a análise e a predição de uma aventura dos homens que não se assemelha nem aos próprios homens, nem aos sinais misteriosos mas visíveis que estes trocam com o tempo, o espaço e o destino.
O amor, diz Jacques Chardonne, é muito mais do que o amor. No decorrer das nossas investigações adquirimos a certeza de que a história é muito mais do que a história. Essa certeza é tônica. A despeito do crescente peso dos fatos sociais e das crescentes ameaças dirigidas contra a pessoa humana, nós vemos o espírito e a alma da humanidade continuar a acender aqui e além as suas fogueiras, que não são cada vez mais pequenas. Apesar de os corredores da história, aparentemente, serem mais estreitos, temos a certeza de que o homem não perde ao percorrê-los o fio que o liga á imensidade. Estas imagens são à Vítor Hugo, mas exprimem bem a nossa visão. Adquirimos essa certeza penetrando no real: é no mais íntimo que o real é fantástico e em certo sentido, misericordioso.
Ainda que as sombrias máquinas estejam a funcionar Não se atemorize demasiado, amigo. . . Quando os pedantes chamaram a nossa atenção Para a fria mecânica com que os acontecimentos Se viriam a desenrolar, as nossas almas disseram em surdina: É possível, mas existem outras coisas. . . (Prefácio ao Napoleão de Notting Hill, de Chesterton, 1898.)
- Na Tribuna das Nações recusam o Diabo e a loucura. - Há no entanto uma luta dos deuses. - Os alemães e a Atlântida. - Um socialismo mágico. - Uma religião e uma ordem secretas. - Uma expedição às regiões ocultas. - O primeiro guia será poeta.
Num artigo da Tribune des Nations, um historiador francês exprime claramente o conjunto das insuficiências intelectuais usadas desde que se trate do hitlerismo. Analisando a obra Hitler Desmascarado, publicada pelo doutor Otto Dietrich, que foi durante doze anos chefe do serviço de imprensa do Führer, Pierre Cazenave escreve:
Todavia, o doutor Dietrich contenta-se facilmente demais com uma frase que repete muitas vezes e que, num século positivista, não permite explicar Hitler. Hitler, diz ele, era um homem demoníaco, vítima de idéias nacionalistas delirantes. Que quer dizer demoníaco? E que quer dizer delirante? Na Idade Média ter-se-ia dito que Hitler estava possesso. Mas hoje? Ou a palavra demoníaco nada significa ou significa possesso do demônio. Mas o que é o demônio? Acredita o doutor Dietrich na existência do Diabo? Precisamos de nos entender. A mim, a palavra demoníaco não me satisfaz.
E a palavra delirante também não. Quem diz delírio diz doença mental. Delírio maníaco. Delírio melancólico. Delírio de perseguição. E que Hitler tinha sido um psicopata e até um paranóico ninguém duvida, mas os psicopatas e mesmo os paranóicos andam pelas ruas. Daí a um delírio mais ou menos sistematizado, e cuja observação e diagnóstico deveriam ter determinado o internamento do seu possuidor, vai uma distância. Por outras palavras: Hitler será responsável? A meu ver, sim. E eis porque ponho de parte a palavra delírio como ponho de parte a palavra demoníaco, não tendo a demonologia, a nossos olhos, mais que um valor histórico.
Nós não nos contentamos com a explicação do doutor Dietrich. O destino de Hitler e a aventura de um grande povo moderno sob a sua conduta não poderiam ser inteiramente descritos a partir do delírio e da possessão demoníaca. Mas também não nos podemos contentar com as críticas do historiador da Tribune des Nations. Hitler, afirma ele, não era clinicamente louco. E o Demônio não existe. Portanto é preciso não deitar fora a noção de responsabilidade. Isso é verdade. Mas o nosso historiador parece atribuir a essa noção de responsabilidade virtudes mágicas. Mal a evocou, a história fantástica do hitlerismo parece-lhe clara e reduzida às proporções do século positivista em que ele pretende que nós vivemos. Esta operação escapa à razão, assim como a operação de Otto Dietrich. É que, de fato, o termo responsabilidade é, na nossa linguagem, uma transposição daquilo que era a possessão demoníaca para os tribunais da Idade Média, como demonstram os grandes processos político modernos.
Se Hitler não era louco, nem possesso, o que é possível, a história do nazismo continuaria no entanto inexplicável à luz de um século positivista. A psicologia das profundezas revela-nos que certas ações aparentemente racionais do homem, na realidade são governadas por forças que ele próprio ignora ou que têm ligações com um simbolismo completamente estranho a lógica vulgar. Por outro lado sabemos, não que o Demônio não existe, mas que é diferente da visão da Idade Média. Na história do hitlerismo, ou antes em certos aspectos dessa história, tudo se passa como se as idéias-força escapassem à crítica histórica habitual, e como se precisássemos, para compreender, de abandonar a nossa visão positiva das coisas e fazer o esforço de entrar num universo no qual deixaram de se confundir a razão cartesiana e a realidade.
Empenhamo-nos em descrever estes aspectos do hitlerismo porque, como viu muito bem Marcel Ray em 1939, a guerra que Hitler impôs ao mundo foi uma guerra maniqueísta, (O maniqueísmo, que surgiu no século III, baseia-se na luta eterna entre as forças adversas do Universo: a luz e as trevas, o bem e o mal.) ou, como disse a Escritura, uma luta dos deuses. Não se trata, bem entendido, de uma luta entre fascismo e democracia, entre uma concepção liberal e uma concepção autoritária das sociedades. Isto é o exoterismo da batalha. Há ali um esoterismo z. Essa luta dos deuses, que se desenrolou atrás dos acontecimentos aparentes, não terminou no planeta, mas os formidáveis progressos da ciência humana, dentro de alguns anos, estarão aptos a dar-lhes outras formas. Agora que as portas do conhecimento começam a abrir-se sobre o infinito, importa apreender o sentido dessa luta. Se queremos ser conscientemente homens de hoje, quer dizer, contemporâneos do futuro, precisamos de ter uma visão exata e profunda do momento em que o fantástico se começou a insinuar na realidade. É esse momento que nós vamos estudar. (C. S. Lewis, professor de teologia em Oxford, tinha, em 1937, anunciado num dos seus romances simbólicos, O Silêncio da Terra, o início de uma guerra pela possessão da alma humana, de que uma terrível guerra material não seria mais do que a forma exterior. Voltou a esta idéia em duas outras obras: Perelandra e Esta Força Hedionda(não traduzidos). O último livro de Lewis intitula-se Até Que Tenhamos Rostos. É nesta grande narrativa poética e profética que se encontra a frase admirável que a seguir transcrevemos: Os deuses só nos falarão frente a frente quando nós próprios tivermos um rosto.)
No fundo, dizia Rauschning, todo o alemão tem um pé na Atlântida, onde procura uma pátria melhor e um melhor patrimônio. Esta dupla natureza dos alemães, esta faculdade de desdobramento que lhes permite simultaneamente viver no mundo real e projetar-se num mundo imaginário, revela-se muito especialmente em Hitler e fornece a chave do seu socialismo mágico.
E Rauschning, tentando explicar a subida ao poder desse grande sacerdote da religião secreta, tentava persuadir-se de que, por diversas vezes na história, nações inteiras caíram numa inexplicável agitação. Elas empreendem marchas de flagelantes. São agitadas pela dança de São Vito. O nacional-socialismo, concluía ele, é a dança de São Vito do século XX.
Mas de onde provém essa estranha doença? Não encontrava em parte alguma uma resposta satisfatória. As suas raízes mais profundas mantêm-se em regiões secretas. São essas regiões secretas que nos parece útil explorar. E não é um historiador, mas um poeta que nos servirá de guia.
Onde se falará de J.P. Toulet, escritor menor. -Mas é de Arthur Machen que se trata. - Um grande gênio desconhecido. - Um Robison Crusoé da alma. - História dos anjos de Mons. - Vida, aventuras e desgraças de Machen. - Como descobrimos uma sociedade secreta inglesa. - Um prêmio Nobel com máscara preta. A Golden Dawn, suas filiações, seus membros e seus chefes. - A razão por que vamos citar um texto de Machen. Os acasos mostram zelo.
Dois homens que leram Jean-Paul Toulet e que se encontram (geralmente num bar) imaginam que isso constitui um aristocratismo, escrevia o próprio Toulet. Acontece que grandes coisas residem em cabeças sem importância. Foi através deste escritor menor e encantador, ignorado apesar do esforço de alguns entusiastas, que chegou até nós o nome de Arthur Machen, o qual não é familiar a duzentas pessoas em França.
Ao investigarmos a obra de Machen apercebemo-nos de que compreende mais de trinta volumes. É de um interesse espiritual sem dúvida superior à obra de H. G. Wells.
Prosseguindo as nossas investigações a respeito de Machen, descobrimos uma sociedade iniciática inglesa composta por espíritos superiores. Essa sociedade, à qual Machen deve uma experiência íntima determinante e o melhor da sua inspiração, é desconhecida dos próprios especialistas. Por último, certos textos de Machen, e especialmente este que vamos apresentar, ilustram de forma definitiva uma noção pouco vulgar do Mal, absolutamente indispensável para a compreensão dos aspectos da história contemporânea que estudamos nesta parte do nosso livro. Portanto, se no-lo permitem, antes de entrarmos a fundo no nosso assunto, vamos falar deste curioso homem. Começará como uma pequena história literária à volta de um ínfimo escritor parisiense: Toulet. Terminará com a abertura de uma grande porta subterrânea atrás da qual ainda ardem os restos dos mártires e as ruínas da tragédia nazista, que perturbou o Mundo inteiro. Os caminhos do realismo fantástico, como mais uma vez se verifica, não se parecem com os caminhos vulgares do conhecimento.
Em Novembro de 1897, um amigo, bastante inclinado para as ciências ocultas, deu a ler a Paul Jean Toulet o romance de um escritor de trinta e quatro anos completamente desconhecido: the Great God Pan. Esse livro, que evoca o mundo pagão das origens, The Anatomy of Tobacco (1884) . the Great God Pan (1895), The House of Souls (1906), the Hill of Dreams (1907), the Great Return (1915), The Bozumen (1915), The Terror (1917). The Secret Glory (1922), Strange Roads (1923), The London Adventure (1924), The Carning Wronder (1926), The Green Round (1933), Holy Terrors (1946). Obra póstuma: Tales of Horror and the Supernatural. (1948).
O próprio Machen tinha consciência disso: O Wells de que fala é com certeza um homem muito hábil. Em dado momento cheguei mesmo a supor que era qualquer coisa mais. (Carta a P.J. Toulet, 1899). não completamente submerso, mas sobrevivendo com prudência e, por vezes, soltando junto de nós o seu Deus do Mal e seus anjos com pés de cabra, impressionou Toulet e decidiu-o estrear-se na literatura. Começou a traduzir the Great God Paner pedindo emprestado a Machen o seu cenário de pesadelo, os seus recantos onde o Grande Pã se esconde, escreveu o seu primeiro romance: Monsieur du Paur, hommepublic.
Monsieur du Paur foi publicado no fim do ano de 1898, nas edições Simonis Empis, e não obteve o menor sucesso. E nós nada saberíamos se Henri Martineau, grande admirador de Stendhal e amigo de Toulet, não tivesse resolvido, vinte anos mais tarde, publicar novamente esse romance à sua custa, nas edições Divan. Historiador minucioso e amigo dedicado, o Henri Martineau empenhava-se em demonstrar que Monsieur du Paur era um livro inspirado na leitura de Machen, mas no entanto original. Foi portanto ele que chamou a atenção de alguns raros letrados para Arthur Machen e para o seu Great God Pan, exumando a exígua correspondência entre Toulet e Machen. Para Machen e o seu imenso gênio as coisas ficaram por ali: uma das camaradagens literárias dos começos de Toulet.
Em Fevereiro de 1899, Paul Jean Toulet, que há um ano tentava publicar a sua tradução de The Great God Pan, recebeu do autor a seguinte carta, em francês:
Caro confrade,
Nada há portanto a fazer com The Great God Pan em Paris? Se assim é, estou verdadeiramente cuidando, quanto ao caso do livro, evidentemente, mas sobretudo porque tinha esperanças em relação aos leitores franceses; supunha que no caso de apreciarem The Great God Pan nas suas roupagens francesas e de o acharem bom, talvez eu encontrasse aí o meu público! Aqui, nada posso fazer. Escrevo, escrevo sempre, mas é absolutamente como se escrevesse num scriptorium monástico da Idade Média; quer dizer que as minhas obras se mantêm sempre no inferno das coisas inéditas. Tenho na minha gaveta um volumezinho de contos muito pequenos, a que chamo Ornaments án Jade. Encantador o seu livrinho, diz o editor, mas é completamente impossível. Há também um romance, the Garden of Avallonius, qualquer coisa como 65 000 palavras É uma arte sine peccato, diz o bom do editor, mas chocaria o nosso público inglês. E neste momento trabalho num livro que permanecerá, estou certo disso, na mesma ilha do Diabo! Enfim, meu caro confrade, encontrará qualquer coisa de bastante trágico (ou antes tragicômico) nestas aventuras de um escritor inglês; mas, como já disse, tinha esperanças na sua tradução do meu primeiro livro. Le Grand Dieu Pan apareceu finalmente na revista La Plume, em 1901, e depois foi editado ao cuidado dessa mesma revista. Passou despercebido.
Imagem: galileu.globo.com

domingo, 28 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (47). segundo os seus cálculos, impedem que as bombas caiam sobre essa cidade.


Seguramente o nosso retrato não está de acordo com as idéias aceites, e é fragmentário. Nada quisemos sacrificar à coerência. Esta recusa de sacrificar à coerência é aliás uma tendência muito recente em história, assim como a tendência para a verdade: Aqui e além aparecerão lacunas: o leitor deverá pensar que o historiador de hoje abandonou a antiga concepção segundo a qual a verdade era atingida assim que estivessem aplicadas, sem espaços vazios nem excedentes, todas as peças de um puzzle a recompor. O ideal da obra histórica deixou de ser para ele um belo mosaico muito acabado e muito liso: é como um campo de pesquisas que ele a concebe, com o seu caos aparente onde se justapõem as escavações vagas, as coleções de pequenos objetos evocadores e, aqui e além, as belas ressurreições de conjunto e as obras de arte.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

O físico sabe que são pulsações de energia anormais, excepcionais, que revelaram a fissão do urânio e portanto abriram espaços infinitos para o estado da radioatividade. Foram a pulsações do extraordinário que nós procuramos.
Um livro de lord Russell de Liverpool: Rápida História dos Crimes de Guerra Nazistas, publicado onze anos depois da vitória dos Aliados, surpreendeu os leitores franceses pelo seu tom de extrema sobriedade. Vulgarmente, nesta matéria, a indignação substitui a explicação. Neste livro falam por si fatos horríveis, e os leitores verificaram que continuavam sem nada perceber de tanta atrocidade. Exprimindo esse sentimento, um especialista eminente escrevia no jornal Le Monde:
A questão que se põe é a de saber como é que tudo isto foi possível em pleno século e em regiões que passam por ser as mais civilizadas do Universo.
É estranho que tal pergunta, essencial, primordial, se ponha aos historiadores doze anos depois da abertura de todos os arquivos possíveis. Mas será que ela se apresenta realmente aos historiadores? Não é muito certo. Pelo menos tudo se passa como se eles pretendessem esquecê-la, logo depois de ser evocada, obedecendo assim ao movimento da opinião estabelecida que tal pergunta incomoda. Deste modo, acontece que o historiador seja testemunha da sua época, recusando-se a fazer história. Mal escreveu: A questão que se põe é saber se.. . , apressa-se a continuar para que ela se não possa pôr:
Eis, acrescenta imediatamente, o que o homem faz quando é abandonado ao livre impulso dos seus instintos, a um tempo desenfreados e sistematicamente pervertidos.
Estranha explicação histórica, a dessa evocação do mistério nazista por meio dos tópicos gastos da moral vulgar! No entanto foi a única explicação que nos deram, como se houvesse uma vasta conspiração das inteligências para fazer das páginas mais fantásticas da história contemporânea qualquer coisa de redutível a uma lição de história primária sobre os maus instintos. Dir-se-ia que uma pressão considerável incide sobre a história a fim de que esta seja reduzida às minúsculas proporções do pensamento racionalista convencional.
Entre as duas guerras, observa um jovem filósofo, por não terem denunciado qual o furor pagão que enfunava as bandeiras inimigas, os antifascistas não souberam profetizar o odioso futuro da vitória hitleriana.
Eram raras e pouco escutadas as vozes que anunciavam no céu alemão a substituição da Cruz Gamada em vez da de Cristo, negação pura e simples dos Evangelhos.
Não é inteiramente nossa esta visão de Hitler anticristo.
Achamos que ela não é suficiente para esclarecer totalmente os fatos. Mas situa-se, pelo menos, ao nível conveniente para julgar este extraordinário momento da história.
É esse o problema. Não estaremos ao abrigo do nazismo, ou antes de certas formas do espírito luciferino de que o nazismo projetou a sombra sobre o Mundo, senão quando
percebermos e afrontarmos na nossa consciência os aspectos mais fantásticos da sua aventura.
Entre a ambição luciferina de que o hitlerismo foi uma trágica caricatura, e o angelismo cristão que também tem a sua caricatura em fórmulas sociais; entre a tentação de atingir o sobre-humano, de conquistar o céu de assalto, e a tentação de se entregar a uma idéia ou a um Deus para que a condição humana seja transcendida; entre a recusa e a aceitação de uma transcendência, entre a vocação do mal e a do bem, ambos poderosos, profundos e secretos; - entre imensos movimentos contraditórios da alma humana e sem dúvida do inconsciente coletivo, representam-se tragédias de que a história convencional não se apercebe inteiramente, como que por receio de introduzir, com certos documentos e certas interpretações, impedimentos graves demais que a impeçam de descansar no âmago das sociedades.
O historiador que se ocupa da Alemanha nazista parece querer ignorar o que era o inimigo que foi abatido. É auxiliado nesse desejo pela opinião geral. É que ter abatido semelhante inimigo em conhecimento de causa exigiria uma concepção do mundo e do destino humano à medida da vitória. Vale mais pensar que acabamos por impedir que nos prejudicassem velhacos e loucos e que, no fim de contas, as pessoas de bem têm sempre razão. Eram velhacos e loucos, é certo. Mas não no sentido, mas não no grau em que o entendem as pessoas de bem. O antifascismo convencional parece ter sido inventado por vencedores que necessitavam de dissimular o seu vazio. Mas o vazio aspira.
O doutor Antony Laughton, do Instituto Oceanográfico de Londres, fez mergulhar uma máquina de filmar a 4500 metros de profundidade, ao largo das costas da Irlanda. Sobre as fotografias distinguem-se muito nitidamente marcas de pés pertencentes a uma criatura desconhecida. Após o abominável homem das neves, eis que se insinua na imaginação e na curiosidade dos homens este irmão da criatura dos píncaros, o abominável homem dos mares, o desconhecido dos abismos. Num certo sentido, a história, para os observadores do nosso gênero, é semelhante ao velho oceano que a sonda amedronta.
Esquadrinhar a história invisível é um exercício muito são para o espírito. Desembaraçamo-nos da repugnância pelo inverossímil que é natural, mas que muitas vezes paralisou o conhecimento. Esforçamo-nos, em todos os domínios, por resistir a essa repugnância pelo inverossímil, quer se trate das forças de ação dos homens, das suas crenças, ou das suas realizações. Assim, estudamos certos trabalhos da secção clandestina dos serviços de informação alemães. Essa secção elaborou, por exemplo, um longo relatório sobre as propriedades mágicas dos campanários de Oxford, que, segundo os seus cálculos, impedem que as bombas caiam sobre essa cidade. Que haja nisso uma aberração não é discutível, mas que essa aberração tenha grassado entre homens inteligentes e responsáveis, e que esse fato elucida diversos pontos da história visível e da história invisível, também não é discutível.
Para nós, os acontecimentos têm muitas vezes razões de ser que a razão ignora, e as linhas de força da história podem ser tão invisíveis e no entanto tão reais como as linhas de força de um campo magnético.
É possível ir mais longe. Aventuramo-nos até onde esperamos que se aventurem os historiadores do futuro com meios superiores aos nossos. Aconteceu-nos tentar aplicar à história o princípio das ligações não causais que o físico Wolfgang Pauli e o psicólogo
Jung recentemente propuseram. Era a este princípio que eu há pouco aludia ao falar de coincidências. Para Pauli e Jung, acontecimentos independentes entre si poderiam ter relações sem causa, mas no entanto significativas à escala humana. São as coincidências significativas, as linhas onde os dois sábios vêem um fenômeno de sincronicidade que revela ligações insólitas entre o homem, o tempo e o espaço, e a que Claudel magnificamente chamava a jubilação dos acasos. Uma doente está estendida no divã do psicanalista Jung. Oprimem-na perturbações nervosas muito graves, mas a análise não progride. A paciente, prisioneira de um espírito extremamente realista, agarrada a uma espécie de ultralógica, torna-se impenetrável aos argumentos do médico.
Uma vez mais, Jung ordena, propõe, suplica:
Abandone-se, não procure compreender, e conte-me simplesmente os sonhos que tem.
Sonhei com um escaravelho - responde finalmente a dama, entre dentes.

Nesse momento ouvem-se pequenas pancadas contra a vidraça. Jung abre a janela e um belo escaravelho dourado entra na sala fazendo ressoar os seus élitros. Perturbada, a paciente abandona-se por fim e a análise pode realmente começar, e prosseguirá até à cura.
Jung cita muitas vezes este incidente verídico que tem a forma de um conto árabe. Na história de um homem, como na história propriamente dita, na sua opinião, há muitos escaravelhos de ouro.
A complexa doutrina da sincronicidade, em parte motivada pela observação de tais coincidências, seria talvez de natureza a modificar totalmente a concepção da história. A nossa ambição não vai tão longe nem tão alto. O que pretendemos é chamar a atenção para os aspectos fantásticos da realidade. Nesta parte do nosso trabalho dedicamo-nos à pesquisa e interpretação de certas coincidências, a nossos olhos significativas. Podem não o ser para outros.
Aplicando a nossa concepção realista fantástica à história, entregamo-nos a um trabalho de seleção. Por vezes escolhemos fatos de pouca importância, mas aberrantes, porque, em certa medida, era à aberração que pedíamos a luz. Uma irregularidade de alguns segundos no movimento do planeta Mercúrio basta para abalar o edifício de Newton e justificar Einstein. Da mesma forma, parece-nos que alguns dos fatos que pusemos em realce podem tornar necessária a revisão das estruturas da história cartesiana.
Poder-se-á utilizar este método para prever o futuro? Acontece-nos também sonhar com isso. Em O Chamado Quinta-Feira, Chesterton descreve uma brigada de polícia política especializada na poesia. Evitou-se um atentado porque um polícia compreendeu o sentido de um soneto. Há grandes verdades atrás dos gracejos de Chesterton. Correntes de idéias que passam despercebidas ao observador oficial, escritos, obras às quais o sociólogo não está atento, fatos sociais demasiado pequenos e demasiado aberrantes a seus olhos, anunciam talvez com mais certeza os acontecimentos futuros do que os fatos visíveis e os grandes movimentos aparentes do pensamento com os quais ele se preocupa.
O clima de terror do nazismo, que ninguém pôde prever, estava anunciado nas horríveis narrativas do escritor alemão Hans Heinz Ewers: A Mandrágora e No Terror. Ele viria a ser o poeta oficial do regime e escreveria o Horst Wessel Láed. Não é impossível que certos romances, certos poemas, quadros ou estátuas, desprezados até pela crítica especializada, nos indiquem as figuras exatas do mundo de amanhã.
Dante, em A Divina Comédia, descreve com precisão a Cruz do Sul, constelação invisível no hemisfério norte e que nenhum viajante do seu tempo pode ter descoberto. Swift, em A Viagem a Laputa, descreve as distâncias e os períodos de rotação dos dois satélites de Marte, desconhecidos na época. Quando o astrônomo americano Asaph Hall os descobre em 1877 e se apercebe de que as suas medidas correspondem às indicações de Swift, invadido por uma espécie de pânico chama-lhes Phobos e Deimos: medo e terror. Em 1896, um escritor inglês, M. P. Schiel, publica um conto onde se vê um bando de criminosos horríveis destruindo a Europa, matando famílias que supõem prejudiciais ao progresso da humanidade e queimando os cadáveres. Intitula o seu conto: Os S.S.
Goethe dizia: Os acontecimentos futuros projetam a sua sombra em frente, e pode ser que se encontre, longe do que mobiliza a atenção geral, em obras e atividades humanas estranhas ao que nós chamamos o movimento da história, a verdadeira detecção e a expressão dessas ressacas do futuro.
Existe um fantástico evidente que o historiador encobre com pudor de explicações frias e mecânicas. A Alemanha, no momento em que nasce o nazismo, é a pátria das ciências exatas. O método 1 Aterrado também pelo fato de que esses satélites aparecem bruscamente. Telescópios mais importantes que o seu não os tinham avistado na véspera. Parece, muito simplesmente, que ele foi o primeiro a examinar Marte nessa noite. Hoje, depois do lançamento do Spoutnik, os astrônomos começam a escrever que talvez se trate de satélites artificiais, lançados no dia da observação de Hall. (Robert S. Richardson, do observatório do monte Palomar. Comunicação a propósito da posição de Marte, 1954). alemão, a lógica alemã, o rigor e a probidade científica alemã são universalmente considerados.
O Herr Professor incita por vezes à caricatura, mas está rodeado de consideração. Ora é neste ambiente, de um cartesianismo de chumbo, que uma doutrina incoerente e em parte demencial se propaga rápida, irresistivelmente, a partir de um foco minúsculo. No país de Einstein e de Planck começa a ser professada uma física ariana. No país de Humboldt e de Haeckel começa-se a falar de raças. Pensamos que não é possível explicar tais fenômenos pela inflação econômica. Não é este o cenário de fundo para semelhante bailado. Pareceu-nos muito mais eficaz ir procurar junto de certos cultos estranhos e certas cosmogonias aberrantes, até agora desprezadas pelos historiadores. Essa desatenção é muito singular. As cosmogonias e os cultos de que vamos falar gozaram na Alemanha de proteção e encorajamentos oficiais. Desempenharam um papel espiritual, científico, social e político relativamente importante. Com esse cenário de fundo compreende-se melhor o bailado.
Imagem: emininoplural.com.br

Aquecimento do planeta desloca espécies de seus habitats naturais


Se você não aguenta o calor, escolha outro lugar para viver. Essa afirmação parece negativa e impositiva, mas é exatamente isso que muitas espécies de animais e plantas estão fazendo. O aquecimento de nosso planeta está expulsando diversas espécies de seus habitats, fazendo com que elas se desloquem em uma velocidade sem precedentes.

Pesquisadores analisaram estudos prévios para determinar o quão longe mais de 2 mil espécies de todo o globo haviam se desviado de seus habitats nativos. O resultado assusta.

Todos os tipos de espécies estudadas estavam se movendo em direção aos pólos em uma taxa média de 20 centímetros por hora, ou 17,6 quilômetros por década. Espécies isoladas estão se movendo para cima em uma média de 12,2 metros por década. Essas estimativas representam três vezes mais do que as medidas anteriores.

O rápido deslocamento das espécies é uma resposta a rapidez com que a temperatura está mudando em diversos lugares. Em algumas áreas em que o aumento da temperatura foi maior, os pesquisadores observaram que as espécies estavam se movendo mais rápido e para mais longe.

As mudanças na vida das espécies, entretanto, não são uniformes. Enquanto algumas estão fugindo do calor, outras estão se mudando para as áreas mais quentes. Os motivos dessas alterações não envolvem somente o aumento da temperatura global, mas também o fato dos habitats estarem sendo destruídos por diversos fatores, como o desmatamento e a agricultura.

Essa fragmentação de habitats pode ser extremamente prejudicial. Isso porque a mudança de predadores, presas e polinizadores (para as plantas) de um local também influencia a capacidade das espécies conseguirem sobreviver em qualquer habitat específico. Se uma espécie não consegue encontrar um ambiente habitável em tempo, ela fica presa onde está até que as mudanças climáticas a levem à extinção.

Mover-se para um novo habitat é uma resposta clara à mudança climática. Já há evidências, inclusive, de que muitas espécies estão mudando evolutivamente em resposta ao clima – não só adaptações pelas condições físicas, mas também para competir com novas espécies.

Essas mudanças e adaptações têm impacto direto na conservação. O desafio de proteger as espécies se torna ainda mais difícil, e tentar mantê-las nos mesmos locais de sempre pode ser uma tarefa que possivelmente falhará. [LiveScience]

Hypescience

sábado, 27 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (46). É que Freud e Einstein realizaram, no início, um colossal esforço de imaginação.


E o primeiro tanque do exército de Leclerc transpunha a Porte d'Orléans, sinal humilhante da derrota alemã. Era conduzido por Henri Rathenau, cujo tio Walther fora a primeira vítima do nazismo. Como um homem vítima da maior emoção, assim uma civilização vê, num momento histórico, reviver mil instantes do seu passado, segundo uma escolha e numa sucessão aparentemente incompreensível.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Giraudoux contava que, tendo adormecido um segundo na ameia de uma trincheira enquanto aguardava a hora de ir render um camarada, morto em reconhecimento, fora acordado por picadas no rosto: o vento acabava de despir o morto, de lhe abrir a carteira e fazer voar cartões de visita, cujos cantos fustigavam a face do poeta. Naquela manhã da Libertação de Paris, os cartões de visita dos emigrados de Coblença, dos estudantes revolucionários de 1830, dos grandes pensadores judeus alemães e dos Irmãos Cavaleiros das Cruzadas esvoaçavam juntamente com muitos outros, sem dúvida, no meio do vento que levava até muito longe os gemidos e as Marselhesas.
Se agitarmos o cesto, todas as bolas vêm à superfície em desordem, ou antes, segundo uma ordem e atritos cujo controlo seria infinitamente complicado, mas onde poderíamos descobrir uma infinidade desses encontros singularmente elucidativos a que Jung chama coincidências significativas. A admirável frase de Jacques Rivière aplica-se às civilizações e seus momentos históricos: Acontece a um homem não o que ele merece, mas o que se lhe assemelha. Um caderno escolar de Napoleão termina com estas palavras: Santa Helena, pequena ilha.
É lamentável que o historiador ache indigno da sua ciência o recenseamento e o exame dessas coincidências significativas, desses encontros que têm um sentido e entreabrem bruscamente uma porta sobre outra face do Universo, onde o tempo já não é linear. A sua ciência está em atraso sobre a ciência em geral, que, tanto no estudo do homem como no da matéria, mostra-nos cada vez mais reduzidas as distâncias entre o passado, o presente e o futuro. Separam-nos sebes cada vez mais estreitas no jardim do destino, de um passado conservado por inteiro e de um amanhã inteiramente formado. A nossa vida, como diz Alain, está aberta sobre grandes espaços.
Existe uma flor extremamente frágil e bela que se chama a saxífraga umbrosa. Também lhe chamam o desespero do pintor. Já não desespera nenhum artista, desde que a fotografia e muitas outras descobertas libertaram a pintura da preocupação da semelhança exterior. O pintor menos jovem de espírito não se senta hoje diante de um ramo de flores como o teria feito outrora. Os seus olhos vêem mais qualquer coisa além do ramo, ou antes, o modelo serve-lhe de pretexto para exprimir por meio da superfície colorida uma realidade escondida para o olhar profano.
Ele tenta arrancar um segredo à criação. Outrora contentar-se-ia em reproduzir o que o profano vê quando passeia sobre as coisas um olhar descuidado, ausente. Ter-se-ia contentado em reproduzir as aparências tranqüilizantes e, de certa maneira, em participar da fraude geral sobre os sinais exteriores da realidade. Ah, isto está escarrado! Mas quem escarra está doente. Não parece que o historiador tenha evoluído como o pintor, no decurso deste meio século, e a nossa história é falsa como o eram um seio de mulher, um gatinho ou um ramo de flores sob o pincel petrificante de um pintor conformista de 1890. use a nossa geração, diz um jovem historiador, pretende examinar lucidamente o passado, terá em primeiro lugar de arrancar as máscaras sob as quais os artífices da nossa História se mantêm desconhecidos. . . O esforço desinteressado realizado por uma falange de historiadores em favor da simples verdade é relativamente recente.
O pintor de 1890 tinha os seus desesperos. Que dizer do historiador do presente! A maior parte dos fatos contemporâneos tornaram-se semelhantes à saxífraga umbrosa: desesperos do historiador.
Um autodidata delirante, rodeado de alguns megalômanos, recusa Descartes, despreza a Cultura humanista, destrói a razão, invoca Lúcifer e conquista a Europa, perdendo por pouco a conquista do Mundo. O marxismo enraíza-se no único país que Marx achava infecundo. Londres arrisca-se a soçobrar sob uma chuva de foguetões destinados a atingir a Lua. Reflexões sobre o espaço e o tempo conjugam-se na fabricação de uma bomba que destrói duzentos mil homens em três segundos e ameaça destruir a própria história. Saxífragas umbrosas!
O historiador começa a inquietar-se e a duvidar de que a sua arte seja praticável. Perde
o seu talento lamentando já não o poder exercer. É o que se vê nas artes e nas ciências nos períodos de sufocação: um escritor trata em dez volumes da impossibilidade da linguagem, um médico dá aulas durante cinco anos para explicar que as doenças se curam por si próprias. A história atravessa um desses momentos.
Raymond Aron, desprezando com enfado Tucídides e Marx, constata que nem as paixões humanas, nem a economia dos fatos chegam para explicar a aventura das sociedades. A totalidade das causas que determinam a totalidade dos efeitos ultrapassa, diz ele desolado, o entendimento humano.
O sr. Baudin, do Instituto, confessa: a história é uma página em branco que os homens têm a liberdade de preencher à sua vontade.
E René Grousset dirige ao céu vazio este cântico quase desesperado, mas belo:
Aquilo a que nós chamamos a história, quero dizer, este desenrolar de impérios, de batalhas, de revoluções políticas, de datas, sangrentas a maior parte, será realmente a história? Confesso que não o creio, e que me acontece, ao ver os manuais escolares, riscar em pensamento uma grande parte. . .
A verdadeira história não é aquela do movimento das fronteiras. É a das civilizações. E a civilização é, por um lado, o progresso das técnicas e, por outro, o progresso da espiritualidade. Podemos perguntar a nós próprios se a história política não é, em grande parte, uma história parasita.
A verdadeira história é, sob o ponto de vista material, a das técnicas, disfarçada sob a história política que a oprime, que lhe usurpa o lugar e até mesmo o nome.
Mas, mais ainda, a verdadeira história é a do progresso do homem na espiritualidade. A função da humanidade é auxiliar o homem espiritual a libertar-se, a realizar-se, a auxiliar o homem, como dizem os hindus numa fórmula admirável, a ser aquilo que é. É certo que a história aparente, a história visível, a história da superfície não passa de um ossuário. Se a história fosse apenas isso, não havia mais nada a fazer senão fechar o livro e desejar a extinção no nirvana... Mas quero crer que o budismo mentiu e que a história não é isso.
O físico, o químico, o biólogo, o psicólogo sofreram, nestes últimos cinqüenta anos, grandes choques e tropeçaram, por sua vez, em saxífragas umbrosas. Mas hoje não manifestam a mesma inquietação. Trabalham, avançam. Muito pelo contrário, há na suas ciências extraordinária vitalidade. Comparem-se as construções acrobáticas de Spengler ou de Toynbee ao movimento torrencial da física nuclear. A história está num beco sem saída. As razões, sem dúvida, são múltiplas, mas esta impressionou-nos:
Ao passo que o físico ou o psicanalista abandonou resolutamente a idéia de que a realidade era necessariamente satisfatória para a razão e optou pela realidade do fantástico, o historiador manteve-se encerrado no cartesianismo. Uma certa pusilanimidade muito política nem sempre é alheia ao fato.
Diz-se que os povos felizes não têm história. Mas os povos que não têm historiadores franco-atiradores e poetas são mais que infelizes: asfixiados, traídos.
Voltando as costas ao fantástico, por vezes o historiador é levado a erros extraordinários. Marxista, prevê o desmoronamento da economia americana no momento em que os Estados Unidos atingem o mais alto nível de estabilidade e de poder. Capitalista, determina no Oeste a expansão do comunismo no momento em que a Hungria se revolta. No entanto, noutras ciências, a previsão do futuro, a partir dos dados do presente, tem cada vez mais êxito.
A partir de um milionésimo de grama de plutônio, o físico nuclear faz o projeto de uma fábrica gigantesca que funcionará de acordo com o que foi previsto. A partir de alguns sonhos, Freud desvenda a alma humana como nunca foi feito.
É que Freud e Einstein realizaram, no início, um colossal esforço de imaginação. Imaginaram um real completamente diferente dos dados racionais admitidos. A partir dessa projeção imaginativa estabeleceram conjuntos de fatos que a experiência verificou
No domínio da ciência aprendemos quão vasta é a estranheza do mundo, diz Oppenheimer.
Que esta aceitação da estranheza possa enriquecer a história, é do que estamos persuadidos.
Não pretendemos de forma alguma produzir no método histórico as alterações que lhe desejamos. Mas pensamos que o pequeno esboço que vão ler pode prestar algum serviço aos futuros historiadores. Seja estímulo, seja repulsão. Pretendemos, ao tomar como objeto de estudo um aspecto da Alemanha hitleriana, indicar vagamente uma direção de pesquisas válida para outros assuntos. Traçamos flechas sobre as árvores ao nosso alcance. Mas não pretendemos ter tornado praticável toda a floresta.
Procuramos reunir fatos que um historiador normal repudiaria com cólera ou horror. Transformamo-nos por algum tempo, segundo a bela frase de Maurice Renard, em amadores do insólito e escribas de milagres. Este gênero de trabalho nem sempre é confortável para o espírito. Por vezes tranqüilizavamo-nos pensando que a teratologia, ou estudo dos monstros, com que se distinguiu o professor Wolff a despeito da desconfiança dos sábios razoáveis, esclareceu muitos aspectos da biologia. Serviu-nos de apoio outro exemplo: o de Charles Fort, esse americano malicioso de que já falamos.
Foi dentro do espírito fortiano que orientamos as nossas investigações sobre acontecimentos da história recente. Portanto, não nos pareceu indigno de atenção o fato de o fundador do nacional-socialismo ter realmente acreditado na vinda do super-homem.
A 23 de Fevereiro de 1957, um homem-rã procurava o corpo de um estudante afogado no Lago do Diabo, na Boêmia. Regressou à superfície, pálido de pavor, incapaz de articular um som. Quando recuperou o uso da palavra revelou que acabava de ver, sob as águas frias e densas do lago, um alinhamento fantasmagórico de soldados alemães de uniforme, e uma caravana de carros atrelados, com os cavalos em pé.
Ó Noite, o que significam esses guerreiros lívidos? . . . De certa maneira, também nós mergulhamos no Lago do Diabo. Nos anais do processo de Nuremberg, em milhares de livros e de revistas e nos testemunhos pessoais, reunimos uma coleção de singularidades. Organizamos o nosso material em função de uma hipótese de trabalho que talvez não fôssemos capazes de elevar à dignidade de uma teoria, mas que um grande escritor inglês desconhecido, Arthur Machen, brilhantemente exprimiu : Existem à nossa volta sacramentos do mal, da mesma forma que existem sacramentos do bem, e a nossa vida e os nossos atos desenrolam-se, segundo creio, num mundo insuspeitado, cheio de cavernas, sombras e habitantes crepusculares. A alma humana ama o dia. Acontece-lhe também amar a noite, com igual ardor, e esse amor pode conduzir os homens, como as sociedades, a ações criminosas e desastrosas que aparentemente desafiam a razão, mas que, no entanto, se revelam explicáveis se nos colocarmos numa determinada óptica. Precisaremos o caso um pouco adiante ao dar de novo a palavra a Arthur Machen.
Nesta parte do nosso trabalho pretendemos fornecer a matéria-prima de uma história invisível. Não somos os primeiros. John Buchan já assinalara estranhas correntes subterrâneas sob os acontecimentos históricos. Uma entomologista alemã, Margaret Boveri, tratando dos homens com a frieza objetiva que utiliza na observação dos insetos, escreveu uma História da Traição no Século Vinte, cujo primeiro volume tem por título História Visível e o segundo História Invisível.
Mas de que história invisível se trata? O termo é cheio de armadilhas. O visível é tão rico e, no fim de contas, ainda tão pouco explorado, que se lhe pode sempre descobrir fatos que justificam não importa que espécie de teoria, e conhecem-se inúmeras explicações da história devido à ação oculta dos Judeus, dos Franco-Maçons, dos Jesuítas ou do Banco Internacional. Essas explicações parecem-nos primárias. Aliás, constantemente evitamos confundir aquilo a que chamamos o realismo fantástico com o ocultismo, e as molas secretas da realidade com o folhetim. (No entanto notamos muitas vezes que a realidade era falha de dignidade: ela não escapa ao romanesco e não se podem eliminar fatos sob o pretexto de que parecem sair, justamente, de um folhetim.)
Acolhemos portanto os fatos mais bizarros sob a reserva de os podermos autenticar. Por vezes preferimos dar a impressão de procurar o sensacional ou de nos deixarmos arrastar pelo gosto do estranho, a descurar tal aspecto aparentemente demencial. q resultado em nada se assemelha aos retratos da Alemanha nazista geralmente admitidos. A culpa não é nossa. Tínhamos por objeto de estudo uma série de acontecimentos fantásticos. Não é habitual, mas é lógico pensar que, atrás desses acontecimentos, podem esconder-se realidades extraordinárias. Por que motivo teria a história o privilégio sobre as outras ciências modernas de poder explicar todos os fenômenos de maneira satisfatória para a razão?
Imagem: Louis Pauwels

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (45). No fundo do Lago do Diabo


O monge mostrou-lhe a gamela, com um pequeno gesto de escusa, mas o outro começou a rir cada vez mais.
- O truque da pobreza. . . também já mo empregaram!afirmou ele à sua vítima em tom sarcástico -, mas o último pedinte que mandei parar tinha meio cheio de ouro na bota. . . Vamos, despe-te depressa!

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Depois de o monge ter cumprido a ordem, o homem revistou-lhe as roupas, nada encontrou e voltou a entregar-lhas.
- Agora - continuou -, vejamos esse embrulho.
- É apenas um documento, senhor - protestou o frade -, um documento sem valor a não ser para o proprietário.
- Abre o embrulho, já te disse!

Frei Francis obedeceu sem uma palavra e as iluminuras do pergaminho em breve brilharam sob os raios solares. O gatuno deu um assobio admirativo.
- Bonito! A minha mulher é que vai ficar contente por poder pregar isto na parede da cabana!

A estas palavras, o pobre monge sentiu o coração parar e começou a murmurar uma silenciosa oração: Se tu mo enviaste para me pôr à prova, ó Senhor, suplicou com fervor, dá-me pelo menos a coragem de morrer como um homem, pois se está escrito que ele mo vai roubar, só o poderá tirar ao cadáver do seu indigno servo!

- Embrulha-me o objeto! - ordenou de súbito o ladrão, cuja decisão estava tomada.
- Por quem é, senhor - gemeu Frei Francis -; não quer decerto privar um pobre homem de um trabalho em que empenhou a vida inteira... Passei quinze anos a iluminar este manuscrito e...
- O quê? - interrompeu o gatuno. - Foste tu próprio que o fizeste? E começou a rir soltando berros.
-Não compreendo, senhor - retorquiu o monge, corando ligeiramente -, o que possa haver de divertido nisso. . .
- Quinze anos! -disse-lhe o homem entre dois acessos de hilaridade, quinze anos! E por que motivo, és capaz de me dizer? Por um pedaço de papel! Quinze anos... Ah! Pegando com ambas as mãos na folha iluminada preparou-se para a rasgar. Então Frei Francis deixou-se cair de joelhos a meio do atalho.
- Maria Santíssima! - exclamou. - Suplico-o, senhor, por amor de Deus!

O ladrão pareceu um pouco lisonjeado; atirando o pergaminho ao chão, perguntou em tom sarcástico:
- Estarias pronto a bater-te para defender o teu pedaço de papel.
- Se o deseja, senhor! Farei tudo o que quiser! Ambos se puseram em guarda. O monge benzeu-se precipitadamente invocando o Céu, recordando-se que a luta fora outrora um desporto autorizado pela divindade - depois lançou-se ao combate. . . três segundos depois jazia sobre as pedras pontiagudas que lhe martirizavam a espinha, meio sufocado por uma pequena montanha de músculos rijos.

- E pronto! - disse modestamente o ladrão, que se ergueu e pegou no pergaminho.
Mas o monge arrastava-se de joelhos, com as mãos postas, ensurdecendo-o com súplicas desesperadas.
- Credo! - escarneceu o ladrão. - Eras capaz de me beijar as botas, se eu to pedisse, para que te devolvesse a estampa! Como única resposta, Frei Francis agarrou-o de um salto e começou a beijar com fervor as botas do vencedor.

Era demais, mesmo para um refinado patife. Com uma praga, o gatuno atirou o manuscrito ao chão, saltou para cima do burro e desapareceu... Francis imediatamente caiu sobre o manuscrito e agarrou-o. Depois começou a saltitar atrás do homem pedindo em sua intenção todas as bênçãos do Céu e agradecendo ao Senhor ter criado malandrins tão desinteressados. . .
No entanto, assim que o ladrão e o burro desapareceram atrás das árvores, o monge perguntou a si próprio, com certa tristeza, por que motivo, de fato, consagrara quinze anos da sua vida àquele bocado de pergaminho. . . As palavras do gatuno ainda lhe soavam aos ouvidos: E por que motivo, és capaz de me dizer?... Sim, porquê, de fato, por que razão?
Frei Francis retomou o caminho, a pé, muito meditativo, a cabeça inclinada debaixo do capuz. . . Em certo momento veio-lhe mesmo a idéia de atirar o documento para o meio do mato e ali o deixar, à chuva. . . Mas o Padre Abade aprovara a sua decisão de o entregar às autoridades do Novo Vaticano, à maneira de presente. O monge refletiu que não podia lá chegar de mãos vazias, e continuou, tranquilamente, o seu caminho.
Chegara o momento. Perdido na imensa e majestosa basílica, Frei Francis abismava-se com a prestigiosa magia das cores e dos sons. Depois de invocarem o Espírito infalível, símbolo de toda a perfeição, ergueu-se um bispo -era Monsenhor Di Simone, reconheceu o monge, o advogado do santo - e adjurou S. Pedro a pronunciar-se, por intermédio de S.S. Leão XXII, ordenando ao mesmo tempo a toda a assistência que prestasse atenção às palavras solenes que iam ser pronunciadas.
Nessa altura, o Papa ergueu-se calmamente e proclamou que Isaac Edward Leibowitz seria de futuro um santo. Estava consumado. Dali em diante o obscuro técnico de outrora fazia parte da falange celestial. Frei Francis imediatamente dirigiu uma prece ao seu novo amo, enquanto o coro entoava o Te Deum.
Caminhando num passo vivo, o Sumo Pontífice, um momento depois, surgiu tão bruscamente na sala de audiência onde o fradinho aguardava que a surpresa cortou o fôlego a Frei Francis, privando-o um instante da palavra. Ajoelhou-se à pressa para beijar o anel do Pescador e receber a bênção, depois ergueu-se desajeitadamente, atrapalhado com o belo pergaminho iluminado que mantinha atrás das costas. Compreendendo o motivo da sua perturbação, o Papa teve um sorriso.

- O nosso filho trouxe-nos um presente? - perguntou.
O monge rouquejou, meneou estupidamente a cabeça e estendeu finalmente o manuscrito, que o vigário de Cristo fixou muito demoradamente sem nada dizer, com o rosto perfeitamente impassível.
- Não tem importância - balbuciou Frei Francis, que sentia a sua perturbação aumentar à medida que o silêncio do Pontífice se prolongava -, é apenas uma pobre coisa, um miserável presente... Chego a ter vergonha de ter passado tanto tempo a... Calou-se de súbito, sufocado pela emoção.
Mas o Papa parecia não o ter ouvido.
-Compreende o significado do simbolismo empregado por Santo Isaac? - perguntou ele ao monge, enquanto examinava curiosamente o traçado do plano.
Como resposta, Frei Francis apenas pôde abanar negativamente a cabeça.
- Seja qual for o significado... - começou o Papa, mas interrompeu-se de súbito e começou bruscamente a falar de outra coisa. Se tinham dado ao monge a honra de assim o receber, explicou-lhe, não era porque as autoridades eclesiásticas, oficialmente, tivessem qualquer opinião a respeito do peregrino que um monge tinha visto. . . Frei Francis fora tratado daquela maneira porque o queriam recompensar por ter descoberto importantes documentos e santas relíquias. Assim tinham sido classificadas as suas descobertas, sem que aliás entrassem em linha de conta as circunstâncias que as rodearam. . . E o monge começou a balbuciar agradecimentos, enquanto o Sumo Pontífice novamente se perdia na contemplação dos esquemas tão belamente iluminados.
- Seja qual for o significado - disse ele por fim -, este fragmento de saber, de momento morto, recuperará vida qualquer dia.

Sorridente, teve um piscar de olhos em direção ao monge.
- E conserva-lo-emos sob vigilância até esse dia - concluiu. Só então Frei Francis reparou que a sotaina branca do Papa tinha um buraco e que todas as suas vestimentas estavam bastante velhas. O tapete da sala de audiência também se apresentava muito usado aqui e além e o estuque do teto caía aos bocados.
Mas havia livros sobre as prateleiras que cobriam as paredes, livros enriquecidos por admiráveis iluminuras, livros que tratavam de coisas incompreensíveis, livros pacientemente recopiados por homens cuja tarefa não consistia em compreender, mas em salvaguardar. E aqueles livros aguardavam que chegasse a sua hora.
- Adeus, filho bem-amado.
O humilde guardião da chama do saber partiu novamente a pé em direção da sua longínqua abadia... Quando se aproximou da região freqüentada pelo gatuno sentiu-se estremecer de alegria. Se por acaso o ladrão estivesse de folga, naquele dia, o fradinho sentia-se disposto a sentar-se e aguardar o seu regresso. Pois sabia, desta vez, que resposta dar à sua pergunta.

SEGUNDA PARTE
ALGUNS ANOS NO ALGURES ABSOLUTO
Todas as bolas no mesmo saco. - Os desesperos do historiador. - Dois amadores do insólito. -No fundo do Lago do Diabo. - Um antifascismo oco. - Bergier e eu perante a imensidão do extraordinário. - Tróia também era uma lenda. - A história em atraso. - Do visível banal ao invisível fantástico. - Apólogo do escaravelho de ouro. Pode ouvir-se a ressaca do futuro. - Não há apenas as frias mecânicas.
Durante a ocupação alemã vivia em Paris, no Bairro Latino, um velho original que se vestia como um burguês do século XVII, só lia Saint-Simon, comia à luz de velas e tocava espineta. Apenas saía para ir ao merceeiro e ao padeiro, com um capuz sobre a cabeleira empoada, e uma grande capa que deixava ver as meias pretas e os sapatos com fivelas. O tumulto da Libertação, os tiros e os movimentos populares perturbaram¬-no. Sem nada compreender, mas agitado pelo medo e pelo furor, precipitou-se um dia para a sacada da sua casa, com a pena de pato na mão, peitilho de rendas ao vento, e gritou, numa vibrante e estranha voz de solitário:
Viva Coblença!
Não compreendendo e estranhando a atitude insólita, os vizinhos excitados sentiram instintivamente que o homenzinho vivia noutro mundo e devia estar em relações com o mal. O grito pareceu alemão, subiram as escadas, arrombaram a porta, atacaram-no e ele morreu.
Nessa mesma manhã, um capitão resistente muito jovem, que acabava de conquistar a Prefeitura, mandava colocar palha sobre os tapetes do enorme gabinete e dispor as espingardas em forma de feixe, a fim de ter a ilusão de viver de acordo com um boneco do seu primeiro livro de história.
Nessa mesma hora descobriam nos Inválidos a mesa, os treze caldeirões, os estandartes, as túnicas e as cruzes da última assembléia dos Cavaleiros da Ordem tectônica, bruscamente interrompida.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O Despertar dos Mágicos (44). Quantos loucos ou epilépticos houve nos seus ascendentes ou parentes?


O enviado do Novo Vaticano foi calorosamente acolhido, como é da praxe. Instalaram¬no nos aposentos reservados aos prelados de passagem e puseram-lhe às ordens seis jovens noviços atentos a satisfazer os seus mínimos desejos. Abriram em sua honra as melhores garrafas, assaram-se as mais delicadas aves e chegaram ao ponto de se preocupar com as suas distrações, arranjando-lhe, todas as noites, vários violinistas e uma companhia inteira de palhaços.

Louis Pauwels e Jacques Bergier. DIFEL

Havia três dias que o bispo ali estava quando o bom Padre Abade fez comparecer diante dele Frei Francis.
- Monsenhor Di Simone deseja vê-lo - disse-lhe. Se tiver a infelicidade de dar livre curso à sua imaginação, atiraremos a sua carcaça aos lobos e os seus ossos serão sepultados em terra que não seja sagrada... Agora, meu filho, vá em paz: Monsenhor está à sua espera.
Frei Francis não tinha a menor necessidade da advertência do bom Padre para refrear a língua. Desde o longínquo dia em que a febre o tornara loquaz, depois da primeira Quaresma passada no deserto, evitara falar fosse a quem fosse no encontro com o peregrino. Mas perturbava-o ver que as maiores autoridades eclesiásticas se interessavam bruscamente por esse mesmo peregrino, por isso o coração batia-lhe com força quando se apresentou diante do bispo.
Aliás o seu pavor revelou-se sem o menor fundamento.
O prelado era um velho muito paternal, que parecia interessar-se acima de tudo pela carreira do fradinho.
E agora -disse-lhe ele, após alguns momentos de amena conversa -, fale-me do encontro que teve com o vosso Bem-Aventurado fundador.
Oh, Monsenhor! Eu nunca disse que se tratava do Bem-Aventurado Leibo. . .
Claro, meu filho, claro... Aliás, trouxe-lhe um auto dessa aparição. Foi elaborado segundo informações recolhidas nas melhores fontes. Peço-lhe apenas para o ler. Após o que me confirmará a exatidão do mesmo, ou, se for necessário, corrigi-lo-á. Bem entendido, este documento baseia-se apenas no que se diz. Na realidade, só o Frei Francis nos pode dizer o que na verdade se passou. Peço-lhe portanto para o ler muito atentamente. Frei Francis pegou no espesso maço de papéis que o prelado lhe estendia e começou a ler a descrição oficial com uma apreensão cada vez maior, que não tardou em degenerar num verdadeiro pavor.
-Muda de expressão, meu filho - notou o bispo. – Terá constatado algum erro?
- Mas. . . mas. . . não foi assim. . . não foi nada assim que as coisas se passaram! -exclamou o desgraçado monge, aterrado. -Só o vi uma vez e ele limitou-se a perguntar-me o caminho para a abadia. Depois bateu com o bordão sobre a pedra debaixo da qual descobri as relíquias. . . - Se estou a compreender bem, não houve então coro celestial?
Oh, não!
Nem auréola em redor da sua cabeça, nem tapete de rosas desenrolando-se sob os seus passos à medida que ele avançava?
Perante Deus que me observa, Monsenhor, afirmo que nada disso aconteceu!
-Bom, bom - disse o bispo suspirando. - Bem sei que as histórias que os viajantes narram contêm sempre uma grande dose de exagero. . .
Como parecia desiludido, Frei Francis apressou-se a pedir desculpas, mas o advogado do futuro santo acalmou-o com um gesto:
-Não tem importância, meu filho - assegurou-lhe. -Não nos faltam milagres, devidamente controlados, graças a Deus!.. Em todo o caso os papéis que descobristes tiveram pelo menos uma utilidade, visto que nos permitiram descobrir o nome da esposa do vosso venerável fundador, a qual morreu, como sabe, antes de ele se dedicar à religião.
Realmente, Monsenhor?
Sim. Chamava-se Emília.
Manifestamente muito desapontado com a descrição que o jovem monge lhe fizera do encontro com o peregrino, Monsenhor Di Simone nem por isso deixou de passar cinco dias inteiros no local onde Francis descobrira a caixa de metal. Acompanhava-o uma corte de noviços, agitando pás e enxadas... Depois de terem cavado muito fundo, o bispo regressou à abadia, na noite do quinto dia, com um rico espólio de diversas relíquias, entre as quais uma velha caixa de alumínio que continha ainda alguns vestígios de uma massa ressequida que talvez tivesse sido outrora, choucroute.
Antes de deixar a abadia, visitou a sala dos copistas e quis ver a reprodução que Frei Francis tinha feito do célebre papel azul de Leibowitz. O monge, ao mesmo tempo que protestava dizendo tratar-se de coisa sem importância, exibia-o com mão trêmula.
Arre! exclamou o bispo (pelo menos foi o que julgaram ouvir). É preciso terminar este trabalho, meu filho, é preciso!
Sorridente, o monge procurou o olhar de Frei Jeris. Mas o outro apressou-se a voltar a cabeça... No dia seguinte, Frei Francis metia novamente mãos à obra, com grande reforço de penas de pato, folhas douradas e variados pincéis.
... Continuava ocupado naquela tarefa quando se apresentou no convento uma nova delegação vinda do Vaticano. Desta vez tratava-se de um grupo numeroso, incluindo mesmo guardas armados para impedir os ataques dos salteadores de estrada.
À cabeça, orgulhosamente montado numa mula preta, pavoneava-se um prelado com a cabeça ornamentada com pequeninos chifres e a boca com longos colmilhos acerados (foi, pelo menos, o que mais tarde afirmaram vários noviços). Apresentou-se como o Advocatus Diaboli, encarregado de se opor por todos os meios à canonização de Leibowitz, e explicou que vinha à abadia para investigar sobre certos boatos absurdos, postos a circular por fradinhos histéricos, e cujo rumor chegara aos ouvidos das autoridades supremas do Novo Vaticano. Bastava olhar para aquele emissário para imediatamente ver que não era pessoa que se deixasse enganar.
O Abade acolheu-o delicadamente e ofereceu-lhe um pequeno leito todo de ferro, numa cela exposta ao sul, pedindo desculpa por não o poder alojar nos aposentos de honra, provisoriamente inabitáveis por uma questão de higiene. Este novo hóspede contentou¬se, para o seu serviço, com as pessoas do seu séqüito e, no refeitório, partilhou das refeições habituais dos monges: ervas cozidas e caldo de raízes.
Disseram-me que está sujeito a crises nervosas, com perda de sensibilidade - disse ele a Frei Francis quando o monge compareceu na sua frente. - Quantos loucos ou epilépticos houve nos seus ascendentes ou parentes?
Nenhum, Excelência.
Não me chame Excelência! - rugiu o dignitário.E fique sabendo que não terei a menor dificuldade em fazer-lhe dizer toda a verdade.
Falava do assunto como de uma intervenção cirúrgica das mais banais e era visível que achava que deveria ter sido feita há muitos anos.
-Não ignora - continuou - que existem processos para envelhecer artificialmente os documentos, não é verdade? Frei Francis ignorava-o.
- Sabe igualmente que a mulher de Leibowitz se chamava Emília e que Ema não é de forma nenhuma o diminutivo desse nome?
Francis também não tinha grandes conhecimentos a respeito do assunto. Lembrava-se simplesmente que os pais, na sua infância, empregavam por vezes certos diminutivos um pouco ao acaso... E depois, pensou, se o Bem-Aventurado Leibowitz abençoado seja ele! -decidiu chamar Ema à mulher, estou certo de que sabia o que fazia.. .
O enviado do Novo Vaticano começou então a dar-lhe uma lição de semântica com tamanha impetuosidade que o pobrezinho do frade julgou que ia enlouquecer. No final dessa tumultuosa sessão já nem sequer sabia se alguma vez encontrara ou não um peregrino.
Antes da partida, o Advogado do Diabo quis também ver a cópia iluminada que Francis fizera e o pobre apresentou-lha com a morte na alma. O prelado, a princípio, pareceu atrapalhado; depois engoliu em seco e fez um esforço para dizer qualquer coisa.
-É evidente que não lhe falta imaginação. Mas, quanto a isso, creio que já todos o sabiam aqui.
Os chifres do emissário tinham encurtado vários centímetros e ele partiu nessa mesma noite para o Novo Vaticano.
... E os anos passaram, acrescentando algumas rugas aos rostos juvenis, alguns cabelos brancos às têmporas dos monges.
No mosteiro a vida corria como de costume, e os monges continuavam absorvidos nas suas cópias, como antigamente. Frei Jeris, um belo dia, resolveu construir uma prensa para imprimir. Quando o abade lhe perguntou o motivo só soube responder:
Para aumentar a produção.
Ah, sim? - disse o Padre. - E para que pensa que poderiam servir as suas papeladas, num mundo em que se é tão feliz por não saber ler? Talvez as possa vender aos camponeses para acenderem o lume, não acha?
Mortificado, Frei Jeris encolheu tristemente os ombros e os copistas do mosteiro continuaram a trabalhar com penas de pato. . .
Numa manhã de Primavera, um pouco antes da Quaresma, apresentou-se no mosteiro um novo mensageiro trazendo uma boa, excelente notícia: os documentos reunidos para a canonização de Leibowitz já estavam completos, o Sacro Colégio não tardaria a reunir-se e o fundador da Ordem dos Albertianos em breve figuraria entre os santos do calendário.
Enquanto toda a confraria se regozijava, o Padre Abade muito velho, atualmente, e bastante gagá - mandou chamar Frei Francis.
Sua Santidade exige a sua presença por ocasião das festas que se vão realizar para a Canonização de Isaac Edward Leibowitz - cuspinhou ele. - Prepare-se para partir. E acrescentou num tom resmungão:
Se deseja desmaiar, vá fazê-lo para longe daqui!
A viagem do jovem monge até ao Novo Vaticano exigiria pelo menos três meses ¬talvez mesmo mais: tudo dependia da distância que pudesse percorrer antes que os inevitáveis salteadores de estrada o privassem do seu burro.
Partiu só e sem armas, munido apenas de uma gamela de mendigo. Apertava contra o coração a cópia iluminada do plano de Leibowitz e pedia a Deus, enquanto avançava, que não lho roubassem. . . É verdade que os ladrões eram pessoas ignorantes e não saberiam que destino lhe dar. . . Por precaução, apesar de tudo, o monge ostentava um pedaço de tecido negro sobre o olho direito. Os camponeses eram supersticiosos, de fato, e a simples ameaça de mau olhado bastava por vezes para os pôr em fuga.
Após dois meses e alguns dias de viagem, Frei Francis encontrou o seu gatuno, num atalho da montanha ladeado por espesso mato, longe de qualquer habitação. Era um homem baixo, mas visivelmente sólido como um boi. As pernas afastadas, os braços vigorosos cruzados sobre o peito, estava parado a meio do atalho, à espera do monge, que ia lentamente ao seu encontro, no passo vagaroso da sua montada... Parecia estar só e como arma apenas tinha uma faca que nem sequer retirou do cinto. O encontro causou grande desapontamento ao monge: de fato, no íntimo do seu coração, não cessara de acreditar que, ao longo do caminho, encontraria o peregrino de outrora.
- Alto! - ordenou o ladrão.
O burro parou por sua livre vontade. Frei Francis ergueu o capuz para mostrar a pala preta e dela aproximou lentamente a mão, como se se preparasse para revelar qualquer espetáculo horrível, dissimulado sob o tecido. Mas o homem, atirando a cabeça para trás, soltou um riso sinistro e verdadeiramente satânico.
O monge apressou-se a murmurar um exorcismo, com o qual o ladrão não pareceu impressionado.
- Há muitos anos que isso não pega - disse ele.Vamos, salta para o chão, e depressa!
Frei Francis encolheu os ombros, sorriu e desceu da montada sem protestar.
- Desejo-lhe muito boa tarde, senhor! - disse num tom amável. - Pode ficar com o burro, a caminhada far-me-á bem. E já se afastava, quando o ladrão lhe barrou o caminho.
- Espera! Despe-te todo, e mostra-me o que há dentro desse embrulho!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Falcon HTV-2, o avião hipersônico da DARPA pode fazer a viagem de Nova York a Los Angeles em 12 minutos


As atenções estão voltadas para a Base Aérea de Vanderberg, na Califórnia. Hoje (11/08), o avião militar não tripulado Falcon HTV-2 está programado para se lançar ao espaço, e realizar um voo em velocidade hipersônica, sendo esse o seu teste mais crítico, desde o início do projeto.
O avião mede apenas 37m de comprimento, e pode alcançar a velocidade aproximada de 16.700 milhas por hora (ou seja, Mach 22). Para se ter uma ideia do quão rápido isso pode ser, na teoria, o Falcon HTV-2 pode fazer um voo de Nova York a Los Angeles em apenas 12 minutos. Para ampliar essa comparação, com o Falcon HTV-2, você poderá chegar a qualquer lugar do planeta em menos de uma hora.
A ideia poderia revolucionar todo o sistema de aviação como conhecemos, mas enfrenta uma significativa barreira: a transição da teoria para a prática. Durante o primeiro teste de voo realizado em abril, a nave durou apenas nove minutos antes de deixar de funcionar, por causa de falhas técnicas. Com uma velocidade tão alta, é necessária uma estrutura muito eficiente para proteger os seus componentes internos.
A DARPA, que é quem desenvolveu o projeto do Falcon HTV-2, ainda não sabe o que deu errado no primeiro teste, embora eles especulem que a nave pode ter simplesmente superaquecido. Dessa vez, os engenheiros ajustaram o centro de gravidade do pequeno avião, e o seu ângulo de descendente, na esperança que o sua criação tenha uma melhor performance.
Para a realização do voo, ele será lançado de um foguete, o Minotaur IV. Se o teste for bem sucedido, ele pode ajudar no desenvolvimento de projetos semelhantes que o Pentágono está empenhado, para criar mecanismos de combater ao terrorismo. Abaixo, um vídeo de demonstração do projeto.
Atualização: Após o seu primeiro teste, a Agência de Pesquisas de Projetos Avançados em Defesa americana (Darpa) perdeu o contato com o avião militar hipersônico, após seu segundo voo de testes, na manhã desta quinta-feira (11). Leia mais sobre isso no site de O Globo.
http://www.techtudo.com.br/curiosidades/noticia/2011/08/falcon-htv-2-o-aviao-hipersonico-da-darpa-pode-fazer-viagem-de-nova-york-los-angeles-em-12-minutos.html

Descoberto fóssil de réptil gigante marinho em Angola


Luanda - Um fóssil de réptil gigante marinho, um dos maiores predadores de todos os tempos, com pelo menos 10 metros de cumprimento, foi descoberto em Angola num sítio paleontológico, pelo pesquisador brasileiro, José Luíz Neves, anunciou hoje, em Luanda, o próprio.

Fonte: Angop
Ao avançar o facto, o pesquisador declarou que em vida o achado pesava mais de 10 toneladas e localizou o fóssil na orla marítima da barra do Kwanza (Luanda) a 170 quilómetros de Luanda, entre os rios Kwanza e Longa.

“Sinto-me extremamente agraciado por essa descoberta e serve como retribuição ao país que me acolheu de braços abertos para colaborar no seu desenvolvimento”, exteriorizou-se.

De acordo com o perito, até prova em contrário, esse pliossáurio, que foi o maior predador de todos os tempos, será o primeiro fóssil de réptil marinho encontrado em África, outros espécies do género foram achadas na Inglaterra, Noruega, Austrália e Alasca.

“Com essa descoberta, somadas a outras, é de grande importância para a Paleontologia – que é a ciência natural, que estuda a vida do passado do nosso Planeta e o seu desenvolvimento ao longo das eras geológicas, ao mesmo tempo que integra as informações biológicas nos registos geológicos, que é a formação dos fósseis.

Angola entra para a história paleontológica, colaborando para desvendar o passado remoto do Planeta Terra e ajuda a escrever a sua história”, sublinhou.

Especialista na área ambiental, com mais de 27 anos de trabalho na área petrolífera, José Neves localizou o fóssil do referido réptil gigante marinho, em Março último, quando passeava com os filhos e ao mesmo tempo realizava pesquisas para o projecto de mestrado sobre Fitoplanctos (seres do litoral microscópicos de vários tamanhos).

Ao fazer o levantamento fotográfico, indicadores dos princípios da estratigrafia em rochas, descobriu fósseis, chamados fósseis de idade como as amonites (bichos consumidores dos planctons), extintos no final do cretáceo, na extinção em massa que ocorreu há 65 milhões de anos atrás. ( O período da era mesozóica vai de 251 a 65,5 milhões anos atrás).

Seguindo as pistas naturais, dos fósseis, sendo aquela formação sedimentar do Cretáceo Cenomaniano, entre 95 a 80 milhões de anos atrás.

De seguida, o investigador descobriu, também um fóssil de um tubarão primitivo, que identificou como Hybodus, antes descoberto na Inglaterra e Brasil, medindo aproximadamente 1,8 metros, do mesmo período (95 a 80 milhões de anos).

Ao analisar o fóssil, descobriu que o achado tinha um peixe na boca, mas espantou-o o facto do tubarão ter sido morto por um predador, com abertura de 55 centímetros de cada lado da mandíbula e uma dentada total de mais de um metro e 15 centímetros.

“Nunca tinha visto uma coisa dessas e imediatamente pensei que só podia fazer àquilo um réptil marinho da família do Pliossáuro”, relatou.

As pistas fósseis o levaram a descobrir três fósseis de um grande réptil marinho com aproximadamente 10 metros da cabeça a cauda e com três metros da nadadeira até o osso coracoide, explicou.

No sítio paleontológico descoberto pelo pesquisador brasileiro, ele encontrou outros fósseis como Gastrópodes, Artrópodes, Belemnites, Nautilos, Bivalves, um pequeno mamífero primitivo por identificar, peixes e até repteis gigantes marinhos, como este que acredita ser do Pliossáuro.

Essas descobertas dão a visão real de como eram as eras eco e paleofauna no final do cretáceo, quando a América do Sul já estava separada de África, com um novo oceano Atlântico banhando os dois continentes, esclareceu.

Fosseis são restos de seres vivos preservados nos ecossistemas que podem apresentar-se em forma de recristalização, petrificação, carbonização, mumificação e moldagem e os de José Luiz Neves estão na forma de petrificação e recristalização.

José Neves, já encontrou vários fósseis no Brasil, mas considera os achados em Angola superiores e de muito maior importância histórica.

Já foram dados os passos para o registo das descobertas e contactos foram feitos com o Museu Nacional de História Natural, e com o projecto PaleoAngola, para que se possa agregar estas descobertas às importantes pesquisas e descobertas já feitas anteriormente.

Nascido há 50 anos no Estado de Espírito Santo (Brasil), José Neves licenciou-se em Administração Ambiental, tem pós-graduação em Gestão Ambiental e Docência Superior e faz mestrado em Ciências e Tecnologia Marinha, na Universidade Leon Espanha-Funiber.